sábado, 28 de dezembro de 2019

post it



Há um coração no meu peito que te esqueceste de levar. 
 Ou virás de novo. Devia perguntar-te se fico à espera. 









 Valter Hugo Mãe

domingo, 22 de dezembro de 2019

é natal



É Natal, nunca estive tão só. 
 Nem sequer neva como nos versos
 do Pessoa ou nos bosques 
 da Nova Inglaterra. 
 Deixo os olhos correr 
 entre o fulgor dos cravos 
 e os dióspiros ardendo na sombra. 
 Quem assim tem o verão
 dentro de casa
 não devia queixar-se de estar só, 
 não devia. 






 Eugénio de Andrade

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

abandono





Conheces todos os cantos da casa,
 escolheste os móveis,
 os electrodomésticos,
 os candeeiros, 
os tapetes,
os quadros nas paredes,
 os livros, os discos nas estantes,
 limpas e aspiras o pó, 
tens a chave que serve na fechadura 
e Sexta-feira à noite, 
estafada depois de uma semana de trabalho, 
uma semana ao abandono, abandonada, 
a casa não te reconhece. 






 Raquel Serejo Martins

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

post it



Se não me amas, porque me avisas da dor? 






 Maria do Rosário Pedreira
 (Foto de Katia Causheva)

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

das coisas impossíveis



trinta cisnes no lago dos teus olhos. foi o que disse. não significa nada. não poderiam aí nadar.
 foi uma imagem. uma ideia. uma vontade grande de dizer que te amo 
e que vejo em ti tudo quanto sendo impossível faria da vida um lugar perfeito 






 Valter Hugo Mãe

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

eu



Sou composta por urgências: 
 minhas alegrias são intensas; 
minhas tristezas, absolutas. 
Me entupo de ausências, me esvazio de excessos.  
Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos. 
 Eu caminho desequilibrada, em cima de uma linha tênue entre a lucidez e a loucura. 
De ter amigos eu gosto porque preciso de ajuda pra sentir, 
 embora quem se relacione comigo saiba que é por conta-própria e auto-risco. 
 O que tenho de mais obscuro, é o que me ilumina. 
E a minha lucidez é que é perigosa. 






Clarice Lispector

domingo, 8 de dezembro de 2019

se ao menos tivesses levado as minhas mãos para guardar o teu corpo



Se ao menos soubesses tudo o que eu não disse ou se ao menos me desses as mãos como quem beija
 e não partisses, assim, empurrando o vento
 com o coração aflito, sufocado de segredos
 se ao menos tivesses levado as minhas mãos para tocar os teus dedos
 para guardar o teu corpo

 se ao menos tivesses quebrado o riso frio dos espelhos
 onde o teu rosto se esconde no meu rosto 
e a minha boca lembra a tua despedida,talvez que, hoje, meu amor, eu pudesse esquecer 
essa cor perdida nos teus olhos






 Joaquim Pessoa

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

vazio



sentei-me ao teu alcance, 
 à espera dos teus olhos 







 Ana Luísa Amaral

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

esperar



e na espera duma carta acabaria por me embebedar
 beber muito e esperar 
esperar 

digo tudo isto mas já não te amo






 Al Berto

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

terça-feira, 26 de novembro de 2019

amor depois do amor



Chegará o tempo 
em que, com alegria,
 te saudarás a ti mesmo ao tocares
à tua porta, ao olhares-te no espelho, 
e cada um dará ao outro as boas-vindas com um sorriso, 
 e dirás, senta-te aqui e come. 
Amarás de novo o estranho que há em ti. 
Oferece-lhe vinho. E pão. Devolve o teu coração, 
ao estranho que te amou
 toda a tua vida, aquele a quem trocaste 
por outro, aquele para quem não tens segredos. 
Varre as cartas de amor da estante, 
 as fotografias, os bilhetes desesperados, 
Arranca a pele à tua imagem no espelho.
 Senta-te. Festeja contigo a tua vida. 






 Derek Walcott

domingo, 24 de novembro de 2019

sem mentir



 ainda não sei se o amor esteve aqui de luz acesa 
e se caminhou nu toda a noite
 pelo teto do quarto mas 
eu tirei a roupa toda bebi água
 e não te telefonei 
qualquer coisa assim atirou-me de bruços
 para o coração e lembrei-me 
de te esquecer desde o começo
 muito longe e alto nas escadas de incêndio
 foda-se como acreditar que te amo 
sem mentir 






 Joaquim Cardoso Dias

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

fórmulas mágicas para sobreviver ao quotidiano



Quando atirei a minha roupa suja para a cave
 esqueci-me que guardava um punhado de ideias no bolso de trás das calças, 
quanto tirei a roupa da máquina de lavar encontrei-as espalhadas
 em pedaços de papel totalmente ilegíveis. 
Desde essa altura tudo me sussurra que estou louca
 porque rezo no oposto a um deus que já não existe, 
e porque me aparecem estigmas nas mãos
 e me vêm ver desconhecidos que comigo passam as noites. 
As minhas palavras afogaram-se em saponária 
e não consigo encontrar-lhes o rasto na minha cabeça. 
As letras que surgiram dos meus dedos que anotei nos papéis que guardei no meu bolso
 eram a minha direcção, o meu nome, o título de um livro, 
as línguas que falo, as coisas que não digo.
 Eram fórmulas mágicas para sobreviver ao quotidiano, 
como abrir o correio e dar os bons dias,como não abrir a porta ao homem sedutor 
que nunca se reflecte nos espelhos. 
Tudo o que anotava eram pequenas pistas que seguia para juntar as partes do meu corpo, 
para não me enganar e para saber quem sou sem ter que pensar duas vezes. 







 Ana Merino

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Quantas promessas eu faria se as cumprisse todas juntas



Cá dentro inquietação, inquietação 
É só inquietação, inquietação 

Porquê, não sei





José Mário Branco

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

de ti



Havia meses que não escrevia
 nem um único poema. 
 Vivia com humildade, lendo os jornais,
 pensando no enigma do poder 
 e nas causas da obediência.
 Olhava para os pores-do-sol
 (escarlates, cheios de inquietação),
 escutava o emudecimento das vozes dos pássaros 
 e o silêncio da noite. 
 Via os girassóis a pendurarem
 as cabeças ao lusco-fusco, como se um carrasco distraído
 passeasse por entre os jardins. 
 No parapeito recolhia-se
 a doce poeira de Setembro enquanto os lagartos
 se escondiam nas curvaturas dos muros. 
 Dava longos passeios,
 sedento duma coisa só:
 dum relâmpago, 
 duma mudança,
 de ti. 






 Adam Zagajewski

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

perdão




Peço-te humildemente, 
o mais humildemente possível, 
perdão
não por te deixar, 
mas por ter ficado tanto tempo. 






 Marguerite Yourcenar
(Foto de Monia Merlo)

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Sophia



E eu não habito os jardins do teu silêncio 
Porque tu és de todos os ausentes o ausente 






 Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 5 de novembro de 2019

quem nos reclama?



De pouco servimos. Caímos e decaímos, pintamos de branco os muros do sono,
 regressamos sempre à mesma hora às agruras de uma casa,
 solitários como as águias e os fantasmas no interior de si mesmos. 
Quem nos quer? Quem nos reclama? 
Talvez seja melhor assim. Andamos de aqui para ali, 
subimos e descemos, arrancamos as urtigas, 
assustamos as rãs, deixamos que o vento leve
 os gemidos do nosso outono. 






 José Agostinho Baptista

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

não sei



Eu não esqueço.
 Por que eu não esqueço? 
Não sei por onde começar a esquecer. 






 Alejandra Pizarnik
(Foto de Anna O)

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Viver todos os dias cansa



 Bem que podíamos morrer
 um bocadinho de vez em quando, num sitio sem portas
 nem janelas, sem telefones, campainhas, carros, motos,
 autocarros num sitio sem nada e principalmente sem ninguém. 
Enrolarmo-nos no mais fundo de nós próprios, como se voltássemos ao ventre materno, 
e deixarmo-nos morrer assim um bocadinho. 
Sim, porque viver cansa e não é pouco 





Pedro Paixão
 (Foto de Cristina Coral)

sábado, 26 de outubro de 2019

morro-me de ausência



Morre-se de tanta coisa 
 Quanto a mim morro-me de ausência
 morro-me com todo este céu a cair-me por entre os dedos;  
pedacinhos de memória pendurados
 morro-me também 
 da melancolia
 quando tu, sem eu saber porquê,
 nem te aproximas nem acenas
 ah sim, também se morre de silêncio 






 Victor Oliveira Mateus

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

flores



Comprou um ramo de flores, 
desce a avenida 
 de ramo de flores numa mão, 
 guarda-chuva aberto na outra mão, 
 uma inevitável tristeza no coração,
 quase altiva e quase segura, 
lembra um cavaleiro sem cavalo
 a atravessar um campo de batalha, 
 começou hoje a sua luta contra o Inverno, 
 por isso comprou flores. 






 Raquel Serejo Martins
(Foto de Anna O)

terça-feira, 22 de outubro de 2019

lembras-te?



Lembras-te dos nossos sonhos? Então
precisávamos (lembras-te?) de uma grande razão. 
Agora uma pequena razão chegaria, 
um ponto fixo, uma esperança, uma medida. 






 Manuel António Pina

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

post it



Enquanto se dá um nome ao sofrimento e um rosto àquilo que nos fere, 
estamos ao abrigo da loucura.






Agustina Bessa-Luís
 (Foto de Saul Leiter)

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

podia vir o que viesse



Hoje podia vir o que viesse: 
o que fosse poesia 
ou a noite selvagem na 
garganta

podia vir 





Ana Luísa Amaral





sábado, 12 de outubro de 2019

memória



Se o outono 
fosse o cheiro de frutos
 na memória 

 e os frutos
 a calma dos sentidos

 o nosso rosto com luz
 ou neon
 pelos cabelos 
seria um retrato de mágoa 
olhando o chão 







 António Reis

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

murmúrio





 o meu medo era mirrares 
em melancolia sem fim, 
perto de mim, 
longe do princípio do mundo
 onde nasceste. 
murmurei-te 
a mesma melodia, 
dia após dia,
 música mineral, rocha metamórfica,
 melindrosa manifestação nasal
 bilabial 
e muito mais.
 Pierre Magnol saberia cuidar de ti, 
magnólia
 monofilética, 
estética harmonia em pétalas paradoxais, 
hóstias pagãs, 
és tu a 
flor de mim.

(com três das minhas palavras a flor fez poesia
                                   obrigada)




segunda-feira, 7 de outubro de 2019

o coração desarrumado



De nada me valeram, os que vieram depois do que entre nós não houve. Por tua causa perdi o olfacto e o paladar e todos os homens me sabem ao mesmo. Procurei-os nos antípodas de ti e cuidei de escolher formatos e feitios que não os teus, numa fuga em frente, como se. Nuns casos, diverti-me; noutros, arrependi-me, mas sempre a porcaria do coração aos solavancos, a malbaratar-me em entusiasmos pré-fabricados, que cansaço. Quiseram-me muito e tratam-me bem, mas vai dar ao mesmo porque não tenho escolha: passados dias, e a minha carne rejeita-os como se o transplante falhado de um órgão estranho. Quanto ao resto, amo-te sem o menor indício de desespero; apenas deixo que a tristeza me faça cócegas numa ou outra lua nova, e é se me distraio. Não tenho qualquer esperança de que tu um dia qualquer coisa, pois foges de mim como o diabo da cruz e é assim que deve ser. Quem sabe só me interessas enquanto obstáculo intransponível contra o qual gostaria de chocar, esparvoada, algures ainda neste tempo de vida. És um empata, o meu empecilho de estimação, um chove não molha que me embaraça e me troca as voltas, mas eu já não saberia viver de outra maneira. Tenho cá dentro a persistência devota de uma mulher de província, enganada pela lábia de um caixeiro-viajante, que gasta as horas num desvelo obsessivo para com o filho ranhoso que é a cara do pai








sexta-feira, 4 de outubro de 2019

não estás


Todos os meses
 te escondes 
na tua própria casa 
e o cobrador sabe sempre
 quando o silêncio tem pó 
e é perfeito. 





 António Reis

terça-feira, 1 de outubro de 2019

sábado, 28 de setembro de 2019

post it



Como quem cola um selo
 não deixes de molhar o meu nome 
com a tua língua 






 Afonso Cruz

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

mais tarde



agora não. talvez daqui a uma hora, amanhã, depois de amanhã, mais tarde, mas agora não. agora aguenta-te,
 finge que és forte, sorri ou, pelo menos, puxa os cantos da boca para cima: 
se mantiveres os olhos secos vão pensar que é um sorriso






António Lobo Antunes
 (Foto de Ezgi Polat)

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

o esquecimento



Que lugar é este, que lugar é este? 
como estás ainda no meu coração? 






 Antonio Gamoneda

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

no meio do caos



Ainda és tu,
 coração secreto à deriva pelos dias, o senhor
 do meu canto. 
 Por ti cheguei e parto.
 A minha casa é onde estás. 






 José Agostinho Baptista

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

o sangue a ranger nas curvas apertadas do coração



Como tu me dóis, tenho alguma natural tendência para dizer - ou pelo menos para pensar, ou pelo menos para sentir - como tu me dóis. Porém, dores é aquilo que o nosso corpo melhor sabe e é com elas e é por elas que vai aqui e vai além - ou simplesmente fica onde já estava, na plenitude de não haver mais nada. Quando o amor surgiu - difícil dizer quando foi, acordei e estava no meio do mar, sem terra à vista; saudades de terra?, nem um bocadinho - fosse lá quando fosse já era de sempre que vinha: tu, o amor, os enganos. Os empenhamentos e os enganos. Quando aconteceu tingi-me de uma dor nova e todas as dores que eu já tinha, tantas e nenhuma e todas as minhas alegrias, parcas alegrias, mudaram de cor, mudaram de voz. Outras as dores, outras as cores, outros também os sons. Até os gritos soam de outra maneira, como que se expandem numa nova ampliação. E tudo o mais que acontece, se é que posso falar de um mais que não sejas tu ainda, é no meio de uma grande paz que acontece - e é da boca do pânico que vem, naturalmente, tão assim naturalmente, podia dizer, como a água vem das fontes ou a chuva cai do céu. Tão prosaica e milagrosamente. Como podem assim coexistir paz e alarme, nunca na vida mo saberei explicar. Como podem mesmo não se distinguir, serem até uma e a mesma coisa? Perguntas que não querem resposta, não há resposta para a dor de ser. A dor maior que é tu existires, a dor maior de alguém se aperceber - e porquê eu - em realidade qual delas a maior. Uma e outra tão sem lugar e sem jeito, uma com a outra se confundindo afinal. Quando dei por mim estava no meio do mar sem terra à vista. Alguém ainda acreditava no conforto que o amor pudesse trazer? Não éramos a esse ponto ingénuos. Amar-te não podia ser senão isso: uma dor. Uma dor em mim e eu nela, uma dor que não mata, um mal-estar de que se não vive. É, apesar de tudo, um lugar, é o meio do mar. É o mais horrível do mar que é o meio. Olha-se em volta e não há nenhum passado que preste, nenhum futuro que meta cobiça. Lugar do amor - asfixia e amor. Que só dá mesmo para respirar, e mal, e para beber, muito. Não álcool, água salgada. Exactamente o meio do mar. Sem outra terra à vista que não, bem a toda a volta, a dor de amar-te. 






Rui Caeiro

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

de tudo ficou um pouco



 Do meu medo
 Do teu asco 

   
de ternura ficou um pouco
 (muito pouco)






Carlos Drummond de Andrade
 (Foto de Saul Leiter)

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

nem sequer um poema



É nas linhas das mãos que os deuses escrevem
 os mais belos romances. Nas nossas porém somente 
 elaboraram um divertimento um esboço um rascunho
 nem sequer literatura.






 Maria do Rosário Pedreira
 (Foto de Natalia Drepina)

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

epílogo



Arrependo-me de tanta queixa inútil, 
de tanta
 lamentação impertinente 
São as regras do jogo inapeláveis
 e justificam toda, qualquer perda. 
Agora
 só o inesperado ou o impossível
 poderia fazer com que eu chorasse

 uma ressurreição, nenhuma morte. 






 Angél González
(Foto de Monia Merlo)

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

sábado, 7 de setembro de 2019

terça-feira, 3 de setembro de 2019

melancolia



Compreendo se a preferires. A melancolia dela é dócil e fresquinha, põe-se à janela a deitar o olho ao mundo, a acenar a quem passa, a importar-se e a sentir muito. Não é uma melancolia como a minha, que vive nos fundos desde o dia em que nasci, cheira a mofo e quando vem à luz do dia é para ser sacudida para cima dos outros como um velho tapete. Com ela estás seguro. Nem o barro dos teus pés nem o fio débil do teu argumento serão desmascarados. Uma mulher como ela nada mais pode contra um homem além de bater nele as suas ancas e, no fim, dar-lhe um empurrão suave a dizer vai-te lavar.  





MP
(texto do belíssimo bog  https://maepreocupada.blogspot.com/)







domingo, 1 de setembro de 2019

post it




ao contrário de Koltés, eu digo que é alarmante ser-se ferido
 quando se esperava ser acariciado






quinta-feira, 29 de agosto de 2019

agosto amarga



Não tardará a chegar ao fim 
este agosto que te viu passar com a luz
 a teus pés. Somos eternos, dizias. 
Eu pensava antes na danação
 da alma ao faltar-lhe o alimento 
que lhe trazias. Agora a cidade vive
 do peso incomensuravelmente morto
 dos dias sem a tua presença. Deixo 
a mão correr sobre o papel tentando 
captar o eco de uma palavra,
 um sinal de quem em qualquer parte
 cintila, e confia ao vento o segredo 
da nossa tão precária eternidade.







 Eugénio de Andrade

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

marear



Deus fez-nos cheios de buracos na alma
 e o nosso dever é tapá-los todos para navegar. 







 Vergílio Ferreira

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

refrão



A sós teimamos no silêncio 
como se fosse uma música 
capaz de nos demorar
 e impedir o refrão que diz
 que o amor é a coisa mais triste quando se desfaz 






 Marta Chaves

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

terça-feira, 20 de agosto de 2019

fogo posto



Para dizer que a tua porta ardia por fora e ninguém se importava. 
Que certas palavras interrompidas começaram a agitar-se na minha cabeça. 
Meti-me pelo teu fogo dentro, ninguém se importava, e disse tudo até ao fim. 
Nunca tinha dito tudo até ao fim. 






 Vasco Gato