domingo, 15 de novembro de 2009

Não me lembro


Afirmas que brigamos. Que foi grave.

Que o que dissemos já não tem perdão.

Que vais deixar aí a tua chave

E vais à cave içar o teu malão.

Mas como destrinçar os nossos bens?

Que livro? Que lembranças? Que papel?

Os meus olhos, bem vês, és tu que os tens

Não te devolvo – é minha – a tua pele.

Achei ali um sonho muito velho,

Não sei se o queres levar, já está no fio.

E o teu casaco roto, aquele vermelho

Que eu costumo vestir quando está frio?

E a planta que eu comprei e tu regavas?

E o sol que dá no quarto de manhã?

É meu o teu cachorro que eu tratava?

É teu o meu canteiro de hortelã?

A qual de nós pertence este destino?

Este beijo era meu? Ou já não era?

E o que faço das praias que não vimos?

Das marés que estão lá à nossa espera?

Dividimos ao meio as madrugadas?

E a falésia das tardes de Novembro?

E as sonatas que ouvimos de mãos dadas?

De quem é esta briga? Não me lembro.



ROSA LOBATO DE FARIA