A esperança é uma puta
gorda, sentada esta noite
numa cadeirinha de bonecas
azul-Estádio. Incharam-lhe os pés
de tanto buscar e balouça
os sapatos ao descompasso
de canções em que o nome
nunca é o seu.
Exige pré-pagamento,
garante que sai sempre
como a sorte que nem sempre tem,
e depois cobra a fé por impulso,
tapa o silêncio com luzes
de natal, um vestido inflamável,
gargalhadas de ponta e mola.
Cá fora as pombas adormeceram
aplicadamente à espera de um sol igual,
há constelações desmanchadas
no asfalto. Ela é a última espectadora
de mais uma última sessão,
mas a tristeza continua emboscada,
a tocar de costas para o mundo.
Apanha do chão uma ideia deixada a meio,
acende-a, hesita por instantes
se serão mais estrangeiros os turistas,
os imigrantes que prometem especialidades
de um país que não é o seu nem este,
ou ela própria. Não regressa
a casa com ninguém:
volta a guardar-se inteira numa mala,
só para se poder perder de vez.
Inês Dias