(Foto de Laura Makabresku)
Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada, sem o teu peito liso e claro como um dia de vento, e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste, hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus
sábado, 27 de setembro de 2014
sexta-feira, 26 de setembro de 2014
Às vezes
No espelho
o olhar desaparece
às vezes desalojado
no meu próprio corpo
às vezes
angustiado
pela angústia
que rola
para lá e para cá como destroços
na rebentação
raspo com um dedo
o vidro
e oiço o mundo gritar.
Pia Tafdrup
(Foto de Katia Chausheva)
quarta-feira, 24 de setembro de 2014
segunda-feira, 22 de setembro de 2014
E fora de obséquios
Pus o céu em teu corpo, fizeste-lo vento
Pus o vento em teus olhos, fizeste-lo sonho
Pus sonho em teu silêncio
E fizeste-lo noite
E esta noite não há céu, vento, nem sonho
Que façam de meu coração
Uma luz de que retorne o amor
Federico Díaz-Granados
(Trad. A.M.)
(Foto de Mariam Sitchinava)
domingo, 21 de setembro de 2014
sexta-feira, 19 de setembro de 2014
Diz-me
Falas de sol e lá fora chove.
A quem falas quando
iluminas de uma luz tão quente
cada palavra? A quem dás
a beber a boca, a respirar
o aroma do feno por entre a chuva?
Eugénio de Andrade
quinta-feira, 18 de setembro de 2014
Talvez
Talvez digas um dia o que me queres,
Talvez não queiras afinal dizê-lo,
Talvez passes a mão no meu cabelo,
Talvez eu pense em ti talvez me esperes.
Talvez, sendo isto assim, fosse melhor
Falhar-se o nosso encontro por um triz
Talvez não me afagasses como eu quis,
Talvez não nos soubéssemos de cor.
Vasco Graça Moura
quarta-feira, 17 de setembro de 2014
sábado, 13 de setembro de 2014
Onde é sempre noite
Nunca conheci os meus inquilinos da vida
Não sei quando saem, nem quando entram,
Não sei quando saem, nem quando entram,
em que estação ignota descansam de suas misérias.
As mulheres têm saído deste corpo a bater com as portas
queixando-se da minha tristeza,
mas já se têm queixado da humidade,
de muito frio, até de mofo na dispensa.
Vão-se sempre sem pagar os inquilinos da minha vida
e o pátio fica novamente vazio.
Meu coração deixa de ser albergue de famintos
para acolher os pássaros todos que arribam no verão
e esperam que voltes pelas tuas coisas
a este hotel de passagem em que é sempre noite.
Federico Díaz-Granados
sexta-feira, 12 de setembro de 2014
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
quarta-feira, 10 de setembro de 2014
terça-feira, 9 de setembro de 2014
segunda-feira, 8 de setembro de 2014
Essa mulher dentro de mim
Há uma mulher dentro de mim que não é gramática decomposta nem acento circunflexo. Não é metáfora exagerada, nem vegetação espessa no limite da vírgula. Não é anáfora suada, nem rigor maiúsculo no recuo do parágrafo. Há uma mulher dentro de mim que não é periferia nem superfície transversal. Essa mulher que não outra mulher, esmaga-me as telhas no tecto da boca. Tenho-a calada e encavalitada debaixo das palavras mais fáceis de carcomer. Tenho-a cansada e regrada por cima das feridas menos custosas de sarar. Mas essa mulher que dentro de mim não me permite outra habitação que não esta, não me serena a vontade áspera de romper a madeira dos braços, de moer do úmero a lasca e da acha articular outro galho maior. Há uma mulher dentro de mim que não me reconhece como sua. Há uma mulher dentro de mim que míngua encolhida no cavo do medo. Há uma mulher dentro de mim que ama uma mulher insuficiente de si mesma.
Alice Turvo
sábado, 6 de setembro de 2014
Inventário
uma pilha de poemas impressos
outra dos que foram perdidos
e mais outra dos que ficaram por escrever
uma prateleira com sonhos queimados
quarenta e cinco amores frustrados
um relógio sem ponteiros
um gato imaginário que mia em silêncio
um pássaro empalhado com a asa esquerda partida
uma mala de couro pronta para a viagem sem volta
Júlio Saraiva
(Foto de Anton Corbijn)
quarta-feira, 3 de setembro de 2014
Instante
Que faria eu sem este mundo sem rosto sem perguntas
Onde o ser só dura um instante e onde cada instante
Transborda para o vazio o esquecimento de ter existido
Sem esta onda onde por fim
Corpo e sombra juntos se anulam
Que faria eu sem este silêncio poço fundo de murmúrios
Curvando-se a pedir socorro pedir amor
Sem este céu posto de pé
Sobre o pó do seu lastro
Que faria eu eu faria como ontem e como hoje
Olhando para a minha janela vendo se não estou sozinho
A errar e a mudar distante de toda a vida
preso num espaço incontrolável
Sem voz no meio das vozes
Que se fecham comigo.
Samuel Beckett
terça-feira, 2 de setembro de 2014
Estou ausente
Todos os dias digo, sussurrando,
mantém o equilíbrio. Tudo espreita,
tudo assusta, a vida inteira pende-te
de um frágil fio e de uma sorte injusta.
A tua vontade não pode muito.
Não percas pé. Mantém o equilíbrio.
Amalia Bautista
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