segunda-feira, 31 de maio de 2010

Traduzir-se


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira...

Ferreira Gullar

De me ver chorar

Fico só, sabendo
que todos os objectos têm a
forma do teu corpo, e
todos os sons se reconduzem
à tua voz. não deambulo
pela casa – excessiva de ti – fujo-lhe
na ausência de movimento e
no desejo de ficar absolutamente
só. lembro-me de como não gostas
de me ver chorar.









Valter Hugo Mãe

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Dias assim


Pelo sabor da água reconheço
a ternura e os flancos do verão.


Eugénio de Andrade

quarta-feira, 26 de maio de 2010

terça-feira, 25 de maio de 2010

Quando


... tu vens ao meu encontro
sorrindo
Rosa precipitada
antigo Mar Vermelho
meu coração
abre-se

Ana Hatherly

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Não sei como dizer-te..

Tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite






Herberto Helder

domingo, 23 de maio de 2010

Em mim

Esquece as ruas.
os teus caminhos
estão em mim.









Valter Hugo Mãe

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Casos perdidos

Uma rapariga tem sempre de ter algo a que entregar o seu coração, e a rapariga que chamo a estas linhas é nisso igual às outras. O que lhe aconteceu e a torna diferente é que amou perdidamente, e até tal ponto o fez que perdeu o coração e não mais o encontrou. Na verdade ainda hoje o procura, e não vê a hora de o reaver e poder amar de novo. É que uma rapariga sem coração é sempre, mas sempre, um caso perdido.

Luis Ene

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Assim sendo

Deixa que a sede se
sacie à tona dos teus olhos,
onde pretendo cegar.







Valter Hugo Mãe


quarta-feira, 19 de maio de 2010

Procuro


Não basta encher de sonhos a mala de viagem, colocar-lhe as
etiquetas e afirmar:
Procuro o esquecimento.



Daniel Filipe

terça-feira, 18 de maio de 2010

Habitar-te


Não ter morada
Habitar
Como um beijo
Entre os lábios
Fingir-se ausente
E suspirar (o meu corpo
não se reconhece na espera)
percorrer com um só gesto
o teu corpo e beber
toda a ternura para refazer
o rosto
em que desapareces
o abraço em que desobedeces




Mia Couto




sexta-feira, 14 de maio de 2010

De silêncio

Nunca percebi muito de vozes
mas se te ouço
mesmo quando é difícil entender
cada palavra
faço do corpo um espaço de silêncio
Maria Sousa

quinta-feira, 13 de maio de 2010

A cada dia

Procuro entender como é que moldas
Os meus pés ao equilíbrio que os desloca no chão
Sei que és tu que me levantas
Que remendas o meu corpo cada dia

Daniel Faria

quarta-feira, 12 de maio de 2010

terça-feira, 11 de maio de 2010

Pele

Quem foi que à tua pele conferiu esse papel
de mais que tua pele ser pele da minha pele




David Mourão Ferreira

sábado, 8 de maio de 2010

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O que me habita os lábios

É como se nada tivesse para te dizer
Quando tu és tudo o que me habita os lábios:
Linguagem breve de gestos sábios
Que os teus olhos me dão para beber
.

Nuno Júdice

quinta-feira, 6 de maio de 2010

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Segredos


As tuas mãos terminam em segredo.



Fernando Pessoa


Não há mais sublime sedução do que saber esperar por alguém.
Compor o corpo, os objectos em sua função, sejam eles
A boca, os olhos , ou os lábios. Treinar-se a respirar
Florescentemente. Sorrir pelo ângulo da malícia.
Aspergir de solução libidinal os corredores e a porta,
Velar as janelas com um suspiro próprio. Conceder
Às cortinas o dom de sombrear. Pegar então num
Objecto contundente e amaciá-lo com a cor. Rasgar
Num livro uma página estrategicamente aberta.
Entregar-se a espaços vacilantes. Ficar na dureza
Firme. Conter. Arrancar ao meu sexo de ler a palavra
Que te quer. Soprá-la para dentro de ti... até que a dor alegre recomece.

Maria Gabriela Llansol

terça-feira, 4 de maio de 2010

Esta noite

Anoto no caderno:
Esta noite falaremos sobre uma paixão.
Que mais faremos com os corpos?
Al Berto

domingo, 2 de maio de 2010

Mãe

... Passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!

Almada Negreiros

sábado, 1 de maio de 2010

Maio


A todos
Que saíram às ruas
De corpo-máquina cansado,
A todos
Que imploram feriado
Às costas que a terra
extenua –
Primeiro de Maio!
Meu mundo, em primaveras,
Derrete a neve com sol gaio.
Sou operário –
Este é o meu maio!
Sou camponês - Este é o meu mês.
Sou ferro –
Eis o maio que eu quero!
Sou terra –
O maio é minha era!


Vladimir Maiakovski