sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Pousado no peito





...Via-se metade ao espelho
... carregado de ausências e de silêncios

Valter Hugo Mãe

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Por dentro da noite





(...)

Amanhã, ou enquanto dormes
- agora mesmo -, vou pensar em ti.
Intensamente: até que as horas me doam sobre a pele,
e o movimento dos dias passe como aves
que perdem o sentido do voo - até que tudo
o que me rodeia tome a forma do teu corpo.
E em mim circules - quando estendo a mão
por dentro da noite e te acordo,
no fogo dos meus olhos.


Al Berto

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A palavra do mar




Se o mundo não tivesse palavras
a palavra do mar, com toda a sua paixão, bastava.
Não lhe falta nada: nem o enigma nem a obsessão.
Entregue ao seu ofício de grande hospitaleiro
o mar é um animal que se refaz em cada momento.
O amor também.
Um mar de poucas palavras.



Casimiro de Brito

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Fogo posto


Às vezes perco-me nos caminhos que
conheço. Adormeço nos ruídos do
mundo sonhando banalidades
enquanto sou feliz. Sempre que
falho e fecho os olhos, imagino
outra pessoa perto de mim aquecendo as
mãos no calor do meu corpo como nas labaredas
de uma pequena fogueira







Valter Hugo Mãe

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Tocas-me?


Sou um animal.

Necessito diariamente da transfusão de uma enorme quantidade de calor.


Tocas-me?


Vasco Gato

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Palavras e silêncios dentro de mim


Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
(...)
Deram-me o silêncio como uma palavra impossível,
(...)
Para eu guardar dentro de mim,
Para eu ignorar dentro de mim
A única palavra sem disfarce
(...)

Adolfo Casais Monteiro


terça-feira, 20 de setembro de 2011

Preciso


Custa-nos respirar,
a paixão exige-nos que nos abandonemos à ideia de uma asfixia:
Eu sem ti não posso assinar o tempo,
Preciso dos teus olhos de cidade devassada.

Vasco Gato

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O poema




Às vezes o poema é como o nevoeiro da manhã
retarda-nos dentro de casa a triturar os sonhos
penetra-se nos ossos e na espinha
causa um calafrio intenso na boca
enquanto se não se põe de pé e se levanta
cega-nos com a fragilidade das palavras
mas faz música nas costuras do coração


João Manuel Ribeiro

sábado, 17 de setembro de 2011

Tempo




Nunca prestei grande atenção ao calendário, nunca comemorei datas.

Tenho para mim um relógio íntimo que marca outro compasso nisso que chamamos de tempo.





Mia Couto (Pensageiro Frequente)

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Hoje é o primeiro dia

...
Entretanto o tempo fez cinza da brasa
outra maré cheia virá da maré vazia
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida


Sérgio Godinho

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

E cantava...


Procuraram toda a casa, toda a terra,
Ninguém a achava.
Ela estava no telhado atrás da chaminé.
Olhava as estrelas e cantava.
Estava tão feliz e sossegada!
Olhava as estrelas e cantava.
Meu Deus, está louca ! Vamos levá-la.
Estava tão feliz!
Olhava as estrelas e cantava


Ana Hatherly

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Quem escreve


Os meus demónios tratam-me pelo nome.
Os meus demónios são legião e não desertam.
Os meus demónios obedecem a todas as ordens e a nenhuma vontade.
Os meus demónios começaram por ser meus por afinidade e agora são parentes de sangue.
Os meus demónios é que escrevem os poemas.




Pedro Mexia

terça-feira, 13 de setembro de 2011

domingo, 11 de setembro de 2011

Dias com musíca



Todas as palavras


As que procurei em vão,
principalmente as que estiveram muito perto,
como uma respiração, e não reconheci,
ou desistiram e partiram para sempre,
deixando no poema uma espécie de mágoa
como uma marca de água impresente;
as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de dizer-me;
as que calei por serem muito cedo,
as que calei por serem muito tarde,
e agora, sem tempo, me ardem;
as que troquei por outras (como poderei
esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?);
as que perdi, verbos e substantivos de que
por um momento foi feito o mundo.
E também aquelas que ficaram,
por cansaço, por inércia, por acaso,
e com quem agora, como velhos amantes sem
desejo, desfio memórias,
as minhas últimas palavras.


Manuel António Pina

sábado, 10 de setembro de 2011

Roteiro para um paraíso privado

Deitar-se alguma vez nos sulcos do sono da noite anterior,
reconhecendo como um felino doméstico o cheiro das nossas mantas.
Não lavar os dentes e sobretudo esquecer de baixar as persianas.
Coleccionar pontas sucessivas de cigarros, jornais de muitos ontens e rimas de livros lidos só três paginas.
Não endireitar a curva daquele candeeiro, deixar as gavetas abertas com colírios, comprimidos e roupas à vista.
Amontoar em cima da cómoda brincos ímpares, perfumes sem tampa,
pequenos espelhos quebrados, alfinetes, cartas, rascunhos
e chávenas de chá servido há dias, deixar calar-se o CD com os lieder de Schumann
afastando os sapatos de muitos caminhos e a roupa de todas as horas


Inês Lourenço

domingo, 4 de setembro de 2011

Side of the road




Tomo o caminho por onde vieste
tropeçando como os que não
têm olhos


José Tolentino Mendonça

sábado, 3 de setembro de 2011

A outra






Quem é essa agora?
Que dentro de mim
Me assusta e me atrai
Sorrateira ela sou eu
Ou é alguma sombra
Que me segue como bicho
Rastejando nos calcanhares
da minha alma
Lá está, lá está
Sabe tudo, faz tudo
Eu sou apenas ferramenta
Garganta pela qual
Ela chama, chama, chama...


Lya Luft

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Procura-se


Musa procura-se. Abstenham-se fracas
ressentidas travestis e invejosas.
Salário baixo
noites de amor intenso
e livros como filhos.



Cristina Peri Rossi

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Dias Assim




Doce e cruel é setembro.

Dolorosamente cego, fechado sobre a tua boca.


José Agostinho Baptista