sexta-feira, 29 de maio de 2020

segunda-feira, 25 de maio de 2020

tu



Agora sou apenas este corpo na 
 manta zebra a teclar umas letras com
 o cheiro a laranja que não me sai dos dedos. 

 Tu também não me sais dos dedos. 
Agarras-te à laranja e formas um pomar 
um pomar feito de ti, quem diria 
pensava que só servias para me
lembrares da pequenez das minhas
 palavras. 
Pequenas, pequenas, pequeninas 
Nunca poderão sair grandes depois
 das monstruosidades que já nos 
dissemos. Nós não somos feitos de
 acções, somos cobardes, escondidos 
atrás de frases, aparecemos ao pôr-do-sol. 

 Um pomar
 TU. 







 Cláudia R. Sampaio

quarta-feira, 20 de maio de 2020

touch and be touched




Se for consultar o psicanalista, confio em Deus que ele permita 
que se sente também ao nosso lado um dermatologista,
 pois sinto que tenho cicatrizes nas mãos por tocar em certas pessoas.







 J.D. Salinger
 (Foto de Rudolf Bonvie)

segunda-feira, 18 de maio de 2020

esquecer





Sim, custa muito esquecer. Exige-nos o paradoxal esforço de não fazer nenhum esforço para isso, porque o esquecimento obedece a uma estranha mecânica segundo a qual quanto mais pretendemos esquecer-nos de alguém, mais esse alguém regressa para nos assombrar ou fazer companhia. Tentar esquecer é já lembrar, como acontece nesta canção.

 Por isso não vale a pena esforçarmo-nos muito: só confiar nos factos da vida e aceitar vivê-la com essa confiança, sabendo que o esquecimento, se acontecer, chegará sem darmos por ele – como esse momento sempre tão incerto em que finalmente adormecemos depois de uma noite de insónia.





Fernando Pinto do Amaral

sexta-feira, 15 de maio de 2020

o amor em visita



Todo o tempo é curvo
 quando nas tuas mãos
 sou trajecto e às vezes pássaro.






 Sandra Costa

quarta-feira, 13 de maio de 2020

amar



Amar é ver diferente 
Depois fica-se cego 
Mas primeiro é ver diferente







 Gonçalo M. Tavares

domingo, 10 de maio de 2020

o espaço interno do teu nome



ah o teu 
amargo, árduo, agudo, 
quente
 nome lavra a minha língua louca, digo: 
o fósforo e a lixa do teu nome riscam
 e calcinam
 a língua portuguesa 






 Herberto Helder

sexta-feira, 8 de maio de 2020

diário



Se Deus quiser hei-de morrer 
Com tudo feito e por fazer. 






 Raul de Carvalho
 (Foto de Monia Merlo)

quinta-feira, 7 de maio de 2020

terça-feira, 5 de maio de 2020

segunda-feira, 4 de maio de 2020

o destino deste corpo



mais nada se move em cima do papel
nenhum olho de tinta iridescente pressagia
o destino deste corpo
os dedos cintilam no húmus da terra
e eu
indiferente à sonolência da língua
ouço o eco do amor há muito soterrado
encosto a cabeça na luz e tudo esqueço
no interior desta ânfora alucinada
desço com a lentidão ruiva das feras
ao nervo onde a boca procura o sul
e os lugares dantes povoados
ah meu amigo demoraste tanto a voltar dessa viagem
o mar subiu ao degrau das manhãs idosas
inundou o corpo quebrado pela serena desilusão

assim me habituei a morrer sem ti
com uma esferográfica cravada no coração.






Al Berto

sábado, 2 de maio de 2020

o meu amor





Tem trinta mil cavalos
A galopar no peito quando a seu lado eu me deito







Jorge Palma