(Não se ama alguém que não ouve a mesma canção)
Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada, sem o teu peito liso e claro como um dia de vento, e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste, hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus
segunda-feira, 28 de setembro de 2020
sexta-feira, 25 de setembro de 2020
segunda-feira, 21 de setembro de 2020
o mundo era só ali
O pequeno golpe que me abriste feito de amor e abandono
entre a veia cava e a beira da estrada onde por vezes me sento sozinho
olhos fechados no meio de uma sala cheia de gente
é o caminho por onde parte e não regressa o caçador esquimó
que vi num filme ainda miúdo quando as luzes se apagavam mesmo
e então o mundo era só ali.
Miguel Martins
quarta-feira, 16 de setembro de 2020
é preciso nunca fazer as coisas pela metade
Uma cidade escuta desolada
O canto de um pássaro ferido
É o único pássaro da cidade
E foi o único gato da cidade
Que o devorou pela metade
E o pássaro deixa de cantar
E o gato deixa de ronronar
E de lamber o focinho
E a cidade prepara para o pássaro
Funerais maravilhosos
E o gato que foi convidado
Segue o caixãozinho de palha
Em que deitado está o pássaro morto
Levado por uma menina
Que não pára de chorar
Se soubesse que você ia sofrer tanto
Diz-lhe o gato
Teria-o comido todinho
E depois teria te dito
Que o tinha visto voar
Voar até o fim do mundo
Lá onde o longe é tão longe
Que de lá não se volta mais
Você teria sofrido menos
Só tristeza e saudades
É preciso nunca fazer as coisas pela metade.
Jacques Prévert
(Foto de Laura Makabresku)
sábado, 12 de setembro de 2020
quinta-feira, 10 de setembro de 2020
gavetas
Vasculhei as tuas coisas como um detective.
Tentei descobrir porque deixaste de gostar de mim.
Não conseguia reduzir a um só motivo
Uma das minhas gavetas está cheia de tralha tua.
Eu queria arranjar um apartamento maior,
e ter um quarto só para ti.
Iria tornar-se numa espécie de museu.
A tua ausência iria estar em exposição.
A tua fotografia está no armário.
Está ao lado dos livros que li,
e que não tenciono reler.
Hal Sirowitz
(Foto de Laura Makabresku)
segunda-feira, 7 de setembro de 2020
entre o nada e o nada
Olhava este momento que ia desaparecer, com saudade – porque nunca mais se repetiria no mundo. Nunca mais outro segundo igual nem na luz, nem na vibração, nem na ternura O momento em que me sorriste, baloiçado entre o nada e o nada, nunca mais se voltaria a repetir, idêntico e completo, em todos os séculos a vir! Estava ali a morte está aqui a vida. Agora pergunto a mim mesmo se te deixo morrer; e a pergunta obsidia-me e exige resposta imediata. Sei tudo, tudo o que me podes dizer – já eu o disse a mim próprio. Até hoje falava a alguma coisa que me ouvia, hoje só interrogo a mudez, só a mim próprio me interrogo
Raul Brandão
quinta-feira, 3 de setembro de 2020
cartas de amor
E quando me escrevias, era tão belo o que me contavas
que me despia para ler as tuas cartas.
Só nua eu te podia ler.
Mia Couto
(Foto de Laura Makabresku)
terça-feira, 1 de setembro de 2020
um refúgio
Setembro traz consigo os dias curtos.
Tens de encontrar um refúgio, por mais pequeno que seja.
Vítor Nogueira
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