Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada, sem o teu peito liso e claro como um dia de vento, e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste, hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus
terça-feira, 31 de dezembro de 2013
segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
sábado, 28 de dezembro de 2013
Esta noite
Hoje podes deitar-te na minha cama
e contar-me mentiras - dizer, não sei,
que o amor tem a forma da minha mão
ou que os meus beijos são perguntas que
não queres que ninguém te faça senão
eu; que as flores bordadas na dobra do
meu lençol são de jardins perfeitos que
antes só existiam nos teus sonhos; e que
na curva dos meus braços as horas são
mais pequenas do que uma voz que no
escuro se apagasse. Hoje podes rasgar
cidades no mapa do meu corpo e
inventar que descobriste um continente
novo - uma pátria solar onde gostavas
de morrer e ter nascido. Eu não me
importo com nada do que me digas esta
noite: amo-te, e amar-te é reconhecer o
pólen excessivo das corolas, o seu vermelho
impossível. Mas amanhã, antes de partires,
não digas nada, não me beijes nas costas
do meu sono. Leva-me contigo para sempre
ou deixa-me dormir - eu não quero ser
apenas um nome deitado entre outros nomes.
Maria do Rosário Pedreira
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
Esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.
quinta-feira, 26 de dezembro de 2013
Nós aqui
Ainda bem que o natal acabou
logo que soaram as doze
descolei os lábios da mesa
vomitei as doçarias todas
para cima das notícias
que anunciavam a morte
algures onde o natal
é regado com sangue
e as rolhas das garrafas
são tiros cegos e certeiros
matam velhos e crianças
em natal ou em belém
para o ano haverá mais
se a dor aguentar até lá
nós aqui e eles no inferno
uma data é uma data
e é preciso comemorá-la
com sangue e com lágrimas
um dia os meus lábios
ficarão para sempre
agarrados à toalha de linho.
Carlos Alberto Machado
quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
Poema de Natal
Assinaste o teu nome
em papel sufocante
impressão bem à vista
xis escudos por página
um livro repleto
de palavras amestradas
pra oferecer no Natal
ou isso ou umas peúgas.
Carlos Alberto Machado
sábado, 21 de dezembro de 2013
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
quinta-feira, 19 de dezembro de 2013
quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
terça-feira, 17 de dezembro de 2013
A palavra que se apaga
Chora-se por alguém, chora-se, embora eu chore a olhar para mim a chorar, chora-se para que nos digam: não chores, ou para que nos oiçam, mas este choro não ouvido, este choro não visto, anónimo, só um corpo a chorar sem remédio, o choro omitido das desatenções, o choro esquecido no choro, nos seus meandros, mudez e surdez, este choro, sem lugar de choro, é a palavra última, apaga-se nela, este choro é a palavra que se apaga.
Rui Nunes
segunda-feira, 16 de dezembro de 2013
Poemas perfeitos em noites escuras
desenha com a ponta dos teus dedos
as fronteiras exactas do meu rosto
as rugas, os sinais, a cicatriz que ficou da infância
o lento sulco das lâminas onde no peito
se enterra o mistério do amor
e diz-me o que de mim amaste
noutros corpos, noutras camas, noutra pele
prometo que não choro
mas repete as palavras um dia minhas
que sem querer misturaste nas tuas
e levaste com as chaves de casa e os documentos do carro-
e largaste sobre a mesa com o copo de gin a meio
na primeira madrugada em que me esqueceste
Alice Vieira
domingo, 15 de dezembro de 2013
Calendário das Dificuldades Diárias
Mais uma queda. Mais uma lasca de madeira cravada no corpo. Estacas de travar vampiros, sêdes. Ossos esmagados, sinapses rotas e, sempre, o fígado fosfórico. De cada vez, a dúvida absoluta. A suspensão da vida. A estupidez mais iníqua amesquinhando a nossa suposta divindade. Transplante? Broa dura? Pastéis de massa tenra de efémeros perfumes? Escolha-me o Diabo a sorte! Tudo poderia ter sido banal, banal e generoso, tivera eu chegado três gerações mais cedo. Vejo-me, à chuva, a apanhar ouriços sob os castanheiros. Analfabeto. São. Vejo-me e não me vejo em parte alguma. Muito menos aqui. Ainda menos agora. Ah!, quem me dera perder, ao menos, a memória dos castanheiros que nunca toquei, que apenas de relance pude amar
Miguel Martins
segunda-feira, 9 de dezembro de 2013
Eu diria que sangra um ponto secreto do meu corpo
Bate-me à porta, em mim, primeiro devagar.
Sempre devagar, desde o começo, mas ressoando depois,
ressoando violentamente pelos corredores
e paredes e pátios desta própria casa
que eu sou. Que eu serei até não sei quando.
É uma doce pancada à porta, alguma coisa
que desfaz e refaz um homem. Uma pancada
breve, breve -
e eu estremeço como um archote. Eu diria
que cantam, depois de baterem, que a noite
se move um pouco para a frente, para a eternidade.
Eu diria que sangra um ponto secreto
do meu corpo, e a noite estala imperceptivelmente
ou se queima como uma face. Escuta:
que a noite vagarosamente se queima
como a minha face.
Herberto Helder
domingo, 8 de dezembro de 2013
Era meu
Surgiu
Por detrás
Da nuvem escura
Que tapou a lua.
Escorregou
Sobre a planície,
Negro,
Envolto
Em longas
Chamas.
Era meu.
Pertencia-me.
Era o medo.
Maria Amélia Neto
(Foto de Katia Chausheva)
sábado, 7 de dezembro de 2013
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
Madiba
Do fundo desta noite que persiste
A envolver-me em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.
Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.
Além deste oceano de lamúria,
Somente o horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.
Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.
William Ernest Henley
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
Um Diário destes não magoa
Um Diário destes não magoa, pensa a rapariga, folheando
O seu caderno: Apaga os passos que dei até aqui.
E imagina que a espera um espaço imenso. Páginas adiante,
A letra torna-se irregular, a simetria esvai-se confusa.
Não foi, certamente, o espaço que dela se abeirou. Não.
Também não foi o amor, como se poderia pensar.
Foi o Género. Pegou no Diário e fê-lo romance. É assim.
Só estranho o novo corpo que lhe foi dado.
Maria Gabriela Llansol
(Foto de Katia Chausheva)
Porque há lugares que eu gosto tanto ( http://sketchesformysweetheartthedrunk.blogspot.pt/)
sábado, 30 de novembro de 2013
Porque hoje é sabado
O mundo é uma casa de passe
Com as paredes salpicadas de geleia de framboesa
O mundo é um matadouro disfarçado
Com as paredes forradas de cetim
Adília Lopes
(Foto de Katia Chausheva)
sexta-feira, 29 de novembro de 2013
Eu direi o teu nome
todos os monstros têm o teu
nome, de mais ou menos bocas, grandes ou
pequenas milhares de patas, sangue jorrando ou
líquenes desfeitos, todos os monstros têm
o teu nome e por ofício perseguem-me, entram
por mim no soalheiro mundo dos
homens, usam a minha incúria
eu sou
uma esplendorosa borboleta de sangue. um
ser que voa no coração
e cada monstro virá dizer que me ama e
saberá convencer-me a suportar os seus
tentáculos, a apreciar até os beijos nos
orificios mucosos por onde expele a
língua e será capaz de me fazer querer o
esbracejar nocturno dos seus gestos
e eu direi o teu nome e nunca me
enganarei
valter hugo mãe
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
Prémio
Vales, ravinas, desertos,
e fins de semana, livros a mais,
amigos a menos, noites
de fumo, de corpos alheios,
de novo ravinas, desertos
e vales - eu nunca pensei
que fosse tão longe e que fosse
tão pouco a felicidade:
ovos mexidos, arroz de tomate,
o ir a correr quando o filme começa,
o vem para a cama, um sopro
de mel, e novas legendas no álbum
de fotos - eu nunca pensei
que fosse tão alto este único prémio
de consolação.
José Miguel Silva
terça-feira, 26 de novembro de 2013
Apesar de tudo
Como lobos em períodos de seca
crescemos por toda a parte
amámos a chuva
amámos o outono
um dia até pensámos
em enviar uma carta de agradecimento ao céu
com uma folha de outono como selo de correio
acreditávamos que as montanhas desapareceriam
os mares se dissipariam
apenas o amor seria eterno
de súbito separámo-nos
ela gostava de sofás compridos
e eu de longos navios
ela gostava de sussurrar e suspirar nos cafés
eu gostava de saltar e gritar nas ruas
e, apesar de tudo,
os meus braços vastos como o universo
estão à espera dela.
Muhammad Al-Maghut
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
NÃO
"Na riqueza e na
pobreza, no melhor e no pior, até que a morte vos
separe."
Perfeitamente.
Sempre cumpri o que assinei.
Portanto, estrangulei-a e fui-me embora.
Perfeitamente.
Sempre cumpri o que assinei.
Portanto, estrangulei-a e fui-me embora.
Mário-Henrique Leiria
domingo, 24 de novembro de 2013
sábado, 23 de novembro de 2013
Profecia
Abriu-se a porta e o tempo saiu vestido de branco -
- todas as noites uma estrela caminhará,
alguma há-de acertar com a rota já esquecida.
Mas os homens, se isto virem, julgarão que o mundo acaba.
Jorge de Sena
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
As mãos
Côncavas de ter
Longas de desejo
Frescas de abandono
Consumidas de espanto
Inquietas de tocar e não prender.
Sophia de Mello Breyner Andresen
domingo, 17 de novembro de 2013
sábado, 16 de novembro de 2013
sexta-feira, 15 de novembro de 2013
Noite dentro
Tão impossível a noite que não vinha contigo
nem chegava por ti. Tão impossível,
e tão lentos
os seus dedos de faca arranhando as minhas costas,
destroçando as minhas costas,
que não soube mais noite para além da luz dos teus dedos.
Ángel Mendoza
quinta-feira, 14 de novembro de 2013
O corpo atento
A tarde avança em lençóis de fumo
e tu não bates à minha porta.
Enrolo um cigarro de lume para acabar com a dor.
Tenho os ouvidos lá fora e o corpo atento
O meu coração é um bandido sem navio nem marés
Perdidos os mastros não sabe gritar.
Por isso sou apenas um retrato
Sem perfil nem disfarce.
A tarde é uma égua e a tua demora uma navalha.
Isabel Mendes Ferreira
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
Como quem se despe
Risquei o último fósforo
e estou agora vazia,
não esperando sequer
o deserto. Posso de novo
sublinhar os livros
sem pensar noutros olhos,
numa vontade que não coincida;
como quem se despe
de portas abertas, luzes acesas,
buracos na roupa,
indiferente ao desejo
de vizinhos e espelhos.
Sou finalmente o único fantasma
da minha vida inteira.
Inês Dias
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
E outros erros
era uma noite branca com um rio
dentro, ali afundámos os dias
contados, as roseiras do jardim,
duas ou três horas felizes
e outros erros.
trocávamos tudo por um sopro de outono.
Renata Correia Botelho
domingo, 10 de novembro de 2013
Nada a fazer
Envelheces tanto de cada vez que o dia termina
e olhas para trás. Tens medo do começo do fim,
das tardes de domingo; um dia, distraído, tens medo
do sexo, da amabilidade e da noite, e dos rostos
que foram belos – e não são mais. Envelheces muito
quando o mundo contraria as pequenas coisas,
sentes esse cansaço, nada a fazer.
Francisco José Viegas
sábado, 9 de novembro de 2013
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
E não ter nada
Passámos tanta vez naquela estrada
talvez a curva onde se ilude o mundo.
O amor é ser-se dono e não ter nada.
Mas pede tudo.
Natalia Correia
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
Frio
que helada esta casa !
sera que esta cerca el rio
o es que estamos en invierno
y estan llegando,
estan llegando...
los frios.
Patxi Andión
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
Uma palavra
Havia
uma palavra
no escuro.
Minúscula. Ignorada.
Martelava no escuro.
Martelava
no chão da água.
Do fundo do tempo,
martelava.
Contra o muro.
Uma palavra.
No escuro.
Que me chamava.
Eugénio de Andrade
terça-feira, 5 de novembro de 2013
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
domingo, 3 de novembro de 2013
Sabes ?
adormecemos juntos acordamos
apartados
disputamos os lençóis como quem
puxa a razão para si
a quantos beijos estamos hoje de distância?
João Luís Barreto Guimarães
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
O primeiro frio
é este o sofrimento do Outono
o primeiro frio e a flor adiada
para um tempo que já não há-de
ser meu
Rosa Alice Branco
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
terça-feira, 29 de outubro de 2013
Morada
Tenho as coisas escritas
no peito, o teu nome. Nada tem que ver
com o coração, muito menos com sentimentos.
O teu nome está-me escrito nos sinais, sobre a pele.
A tinta, desenhos de círculos castanhos
assinalando lugares.
O meu mapa genético tem uma única localidade.
Dizer o nome dela é chamar-te.
Chamar-te é encontrar a minha morada.
Inês Fonseca Santos
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
Ligeiras confidências
o dia corre de poente para nascente, a chuva
é um lençol tenso sobre os velhos que separam
as lembranças, com palavras que não chegam
a dizer: esquecem os subterfúgios do tempo
e avançam cambaleantes pelas grandes fissuras
entregues ao despovoamento alucinante
no interior dos carros, os crimes
são ligeiras confidências
Rui Nunes
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
Iminência
E o cais cinzento e as casas vermelhas
E não é ainda a solidão.
E os olhos veem um quadrado negro com um círculo de música lilás no seu centro
E o jardim das delícias apenas existe fora dos jardins
E a solidão é não poder dizê-la.
E o cais cinzento e as casas vermelhas.
Alejandra Pizarnik
domingo, 20 de outubro de 2013
A qual dos demónios me vender?
que besta suja será preciso adorar?
em que sangue contaminado mergulharei a língua?
que fogo estranho é este? que devora a beleza interior das coisas
que mentira me poderá salvar?
Al Berto
sexta-feira, 18 de outubro de 2013
Previsão do estado do corpo para hoje
Pressinto um dia estranho, no que diz respeito ás coisas do coração.
Pressinto que chove, algures dentro do sangue
Al Berto
quinta-feira, 17 de outubro de 2013
quarta-feira, 16 de outubro de 2013
Paisagem
Tudo vem ao chamamento.
Digo mar, e o mar desponta na palma das mãos.
Digo cal, e na pele abre-se um sulco branco.
Digo sol, e quase lhe consigo tocar.
Só por ti chamo e não irrompes do azul.
Al Berto
terça-feira, 15 de outubro de 2013
Entre duas mãos
Podia ser aí. Contigo. Com o teu corpo
ainda nu, ou vestido da luz que entra pelas
persianas velhas, trazendo a tremura
das folhas na trepadeira do quintal.
Podia ser de manhã, ou de madrugada,
sabendo que teria de te abraçar para que não
desses pelo frio, com o quarto ainda
húmido da noite, num fim de outono.
Podia não ter sido nunca, se não fossem
assim as coisas: a tua mão ao encontro da
minha, no tampo da mesa, como se fosse
aí que tudo se jogasse, entre duas mãos.
Nuno Júdice
sábado, 12 de outubro de 2013
Calendário das dificuldades diárias
Todas as manhãs, entre o enfiar
do sapato esquerdo e do sapato direito
(...) vê a vida desfilar-lhe diante dos olhos.
Por vezes só a custo consegue
calçar o sapato direito.
Judith Herzberg
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