(ás vezes isto é um poema diário, outras um diário poema)
Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada, sem o teu peito liso e claro como um dia de vento, e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste, hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus
sexta-feira, 30 de outubro de 2015
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
Encontro (desencontro)
Ele não apareceu.
Talvez tenha adoecido ou ficado debaixo de
um eléctrico. Talvez outra pessoa se pusesse na conversa com ele.
Talvez se tenha esquecido do relógio,
ou o relógio se tenha esquecido de lhe dar o tempo certo.
Talvez o carro não pegasse,
ou tenha ficado avariado a meio do caminho.
Talvez alguém lhe telefonasse quando ia a sair de casa,
dizendo-lhe que tinha de ir a um funeral
ou que a mãe dele tinha morrido.
Talvez tenha encontrado um antigo conhecido.
Talvez tenha tido uma discussão no emprego,
tenha sido despedido e esteja a esconder
a cabeça debaixo de uma almofada.
Talvez a ponte estivesse fechada e
a seguinte também.
Talvez o semáforo permanecesse vermelho.
Talvez o multibanco tenha engolido o cartão
ou a meio do caminho tenha reparado que se esquecera
do porta-moedas.
Talvez tenha perdido os óculos,
não conseguisse deixar de ler,
houvesse um programa que ele queria acabar de ver,
não conseguisse dar a volta à fechadura da porta,
não encontrasse as chaves em sítio nenhum e
o cão dele de repente começasse a vomitar.
Talvez não houvesse um telefone por perto,
não encontrasse o restaurante
ou esteja à espera noutro sítio, por engano.
Talvez – a última possibilidade,
incompreensível e inesperada –
ele tenha deixado de me amar.
(porque hoje precisei repetir este poema de que gosto tanto)
Hagar Peeters
terça-feira, 27 de outubro de 2015
Lista da minha espera
(não havia gelado de canela, não comprei um livro, e todos os nossos lugares estavam irremediavelmente vazios)
domingo, 25 de outubro de 2015
Ainda bem que partes :
já me sobram mais afagos
para o gato, mais espaço
nas gavetas e nas horas;
com os lenços que deixaste
posso pôr em cacos limpos
o restante coração.
Ainda bem que partes:
regresso menos cedo
às arestas do lençol,
acrescento um cobertor;
divirto-me a escolher
em que lado da parede
não irei adormecer.
Ainda bem que partes;
dura mais o sabonete,
a graxa dos sapatos,
o sal e o Domingo;
só o gin, tem piada,
dura menos.
José Miguel Silva
sábado, 24 de outubro de 2015
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão-
Porque não tinha que ser.
Consolei-me voltando ao sol ou à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
(Foto de Cristina Coral)
(sento-me num lugar escuro e silencioso dentro de mim)
segunda-feira, 19 de outubro de 2015
domingo, 18 de outubro de 2015
a dizer outra vez
se não me ensinares eu não aprendo
a dizer outra vez que há uma última vez
mesmo para as últimas vezes
últimas vezes em que se implora
últimas vezes em que se ama
em que se sabe e não se sabe em que se finge
uma última vez mesmo para as últimas vezes em que se diz
se não me amares eu não serei amado
se eu não te amar eu não amarei
palavras rançosas a revolver outra vez no coração
amor amor amor pancada da velha batedeira
pilando o soro inalterável
das palavras
aterrorizado outra vez
de não amar
de amar e não seres tu
de ser amado e não ser por ti
de saber e não saber e fingir
e fingir
eu e todos os outros que te hão-de amar
se te amarem
Samuel Beckett
(Foto de Nishe)
sábado, 17 de outubro de 2015
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
quarta-feira, 14 de outubro de 2015
terça-feira, 13 de outubro de 2015
Julgava que te tinha dito adeus,
um adeus contundente, ao deitar-me,
quando pude por fim fechar os olhos,
esquecer-me de ti, dessas argúcias,
dessa tua insistência, teu mau génio,
tua capacidade de anular-me.
Julgava que te tinha dito adeus
de todo e para sempre, mas acordo,
encontro-te de novo junto a mim,
dentro de mim, rodeias-me, a meu lado,
invades-me, afogas-me, diante
dos meus olhos, em frente à minha vida,
por sob a minha sombra, nas entranhas,
em cada golpe do meu sangue, entras
por meu nariz quando respiro, vês
pelas minhas pupilas, lanças fogo
nas palavras que minha boca diz.
E agora que faço?, como posso
desterrar-te de mim ou adaptar-me
a conviver contigo? Principie-se
por demonstrar maneiras impecáveis.
Bom dia, tristeza
Amalia Bautista
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
sexta-feira, 9 de outubro de 2015
quinta-feira, 8 de outubro de 2015
quarta-feira, 7 de outubro de 2015
terça-feira, 6 de outubro de 2015
Tenho medo de ver-te
necessidade de ver-te
esperança de ver-te
insipidezes de ver-te
tenho vontade de encontrar-te
preocupação de encontrar-te
certeza de encontrar-te
pobres dúvidas de encontrar-te
tenho urgência de ouvir-te
alegria de ouvir-te
boa sorte de ouvir-te
e temores de ouvir-te
ou seja
resumindo
estou fodido
e radiante
talvez mais o primeiro
que o segundo
e também
vice-versa.
Mario Benedetti
segunda-feira, 5 de outubro de 2015
sábado, 3 de outubro de 2015
No primeiro dia que saí contigo
disseste que o teu trabalho era estranho.
Mais nada. Todavia, eu sentia
a pele a rasgar-se como trapos
de cada vez que me tocavas com a mão.
E os teus olhos pareciam-me punhais
a fazer-me doer os meus.
Daí para a frente foi sempre a mesma coisa:
tu orgulhavas-te da tua arte,
mais subtil e directo em cada dia
e eu nunca percebia nada.
Mas agora sei.
Já conheço o teu ofício:
Atirador de facas.
A mais certeira atiraste-ma ao coração.
Amalia Bautista
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
quinta-feira, 1 de outubro de 2015
Subscrever:
Mensagens (Atom)