sexta-feira, 30 de março de 2018

sexta feira da paixão





Ah, mas há que se louvar entre altos e baixos 
O amor quando traz tanta vida 
Que até pra morrer leva tempo demais






quinta-feira, 29 de março de 2018




Os meus cavalos
 espantaram-se

 Como o Hipólito 
 da tragédia grega
 bocados de mim
 pendem dos arbustos 







 Adília Lopes

terça-feira, 27 de março de 2018




O que passou passou. 
Jamais acenderás de novo
 o lume 
do tempo que apagou. 






 Ferreira Gullar

sábado, 24 de março de 2018

abandono




Tenho frio de mais.
 Estou tão cansado no meu abandono. 
 Vai buscar, ó Vento, a minha Mãe.
 Leva-me na Noite para a casa que não conheci
Torna a dar-me, ó Silêncio imenso, a minha ama
 e o meu berço e a minha canção com que eu dormia






 Fernando Pessoa

 Leonardo Da Vinci (Virgin and Child with St Anne)

quarta-feira, 21 de março de 2018

um poema




Escribí un poema. No tiene ninguna importancia. Soy una enorme herida. 
 Es la soledad absoluta. No quiero preguntar por qué. 






 Alejandra Pizarnik

terça-feira, 20 de março de 2018

a primavera




depois do branco e deserto inverno 
 a primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome,
 nem acredite no calendário, 
 nem possua jardim para recebê-la 





 Cecília Meireles
 (Foto de Anna O)

sexta-feira, 16 de março de 2018

essas saudades que vais tendo, são as minhas




Se eu desaparecer hoje 
E falo mesmo do meu corpo aqui tão sentado
 a escrever desde a ponta da língua à légua mais distante
 da minha vida, 
diz que compreendi. 

 Diz que sei que nada está onde é certo estar 
Que o amor súbito é a escada para o entendimento
 e come os espelhos
Diz que fui ar azul sobre campos de secura 
Estrada recta ao infinito, entre oliveiras, 
um acidente ao longe 
Que provei toda a sede quando engoli os homens 
Que queimei alegremente no ácido das palavras
 Que tombei em ricochete para que me vissem 
E que quando me viram me ergui animal 

 Diz que me viste nua, sempre 
Que corri por hospícios de olhos fechados 
 e a boca às avessas 
Que vivi mais ao alto do que em mundo plano
 e fui honesta na minha rente loucura 

 Diz que nunca esqueci a subida a um plátano 
 Que ninguém viveu no meu lugar, nem eu no de ninguém 
Que fui sim, o halo frio que enchi com esta pena pela
 minha ausência 
E que tudo o que disse foi com silêncio 

 Diz que sei, sobretudo, que ardemos juntos como ventosas,
 embora não queiras
 Que o teu corpo me serviu de andar nas pernas asmáticas 
 Que te agradeço ter-te oferecido lírios
 Que me reduziste o nojo da espécie 
Diz que eu, fui eu 

 Guarda-me este segredo que tenho largo por baixo dos cabelos:
 - quanto em mim fui que não vivi 
quanto em ti é que fui eu? 

 Mas não te preocupes, não desapareço hoje 
Quando me conheceste já eu não existia, 
e tu sabes 
que essas saudades que vais tendo,
 são as minhas. 







 Cláudia R. Sampaio
 (Foto de Anka Zhuravleva)

quarta-feira, 14 de março de 2018

corças




Quando nascem já trazem no pescoço
 a indicação daquele ponto exacto 
onde as feras hão-de cravar os dentes






 Rui Caeiro
 (Foto de Laura Makabresku)

quarta-feira, 7 de março de 2018




Eu tenho a poesia toda metida no meio 
do teu silêncio






 Rui Costa

terça-feira, 6 de março de 2018




os namorados namoram é uma redundância
 no fundo
 basta um homem
 de vez em quando 
só para matar saudades






 Bénédicte Houart

domingo, 4 de março de 2018




Não, não é ainda a inquieta
 luz de março
 à proa de um sorriso, 
nem a gloriosa ascensão do trigo,a seda de uma andorinha roçando 
o ombro nu,
 o pequeno e solitário rio adormecido
 na garganta; não, nem o cheiro acidulado e bom
 do corpo depois do amor, 
pelas ruas a caminho do mar, 
ou o despenhado silêncio
 da pequena praça,
 como um barco, o sorriso à proa;

 não, é só um olhar. 







 Eugénio de Andrade

sexta-feira, 2 de março de 2018





(entre por essa porta agora
 e diga que me adora
 você tem meia hora
 pra mudar a minha vida)






quinta-feira, 1 de março de 2018