do curso breve de literatura
que fiz numa esplanada
enquanto os músicos de rua
tocavam um flamengo desafinado
aprendi:
que a poesia é a comparação
de todas as coisas do mundo
a todas as outras coisas do mundo.
espero que não leves a mal
que pense mansamente em ti
quando vejo um escaravelho alimentando-se
de uma palmeira a morrer de pé.
entende que comparar-te a um ulisses
seria uma hipérbole e que sempre recusei o augúrio
anunciado pela varanda do teu quarto
e da sua vista para o maior cemitério da cidade.
mas comparava-te então à palmeira,
embora te julge por vezes escaravelho,
quando o teu exoesqueleto estala à pressão
das minhas mãos e da vida em comum.
foi contigo e com as palmeiras
que aprendi a tentar fingir
a verticalidade dos vivos.
não me leves então a mal
que pense em ti com o mesmo carinho
com que penso nas palmeiras mortas,
ou nas crisálidas que fiz explodir entre os dedos
quando me deixaste sozinha
a tomar conta dos teus medos ainda por abrir.
Ana Bessa Carvalho