quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Poemas perfeitos em noites escuras


Nomeei-te no meio dos meus sonhos
chamei por ti na minha solidão
troquei o céu azul pelos teus olhos
e o meu sólido chão pelo teu amor

Ruy Belo

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Fogo posto


Sou eu , sou eu que não durmo, 
contigo nos sentidos


Eugénio de Andrade

Cansaço


Por vezes são estrelas que sobem
quando a água ocupa o espaço
e um brilho esquivo tropeça
no cansaço
do dia
No chão ainda morno
ardem pétalas sossegadamente
e há a melancolia de um pássaro

Na varanda esquecida

Vasco Gato

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Dos dias


Não escrevo a ninguém, deixei de dar notícias.
ninguém precisa de saber onde me encontro,
se cheguei bem, se vou partir,
se mudei de rosto ou de máscara.


Al Berto

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Um corpo


Tocas um corpo, sentes-Ihe o repetido tremor
sob os teus dedos, o cálido andamento do sangue.
Observas-Ihe o lânguido amolecimento,
as suas sombras corporais, o seu desvelado esplendor.
Não há palavras. Tocas um corpo; um mundo
enche agora as tuas mãos empurra o seu destino.
Estira-se o tempo nos pulmões
silva como um chicote rente aos lábios.
As horas, o instante, detêm-se,
extrais aí a tua pequena parcela de eternidade.
Antes foram os nomes e as datas.
a história tão clara e lúcida de dois rostos distantes.
Depois aquilo a que chamas amor,
talvez se transforme em promessa arrancada,
muro erguido que pretende encerrar
aquilo que só em liberdade pode ganhar-se.
Não importa, agora nada importa.
Tocas um corpo, nele te fundes,
apalpas a vida, real, comum.


Já não estás só.



Juan Luis Panero

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Natal


Foi numa cama de folhelho,
entre lençóis de estopa suja
num pardieiro velho.
Trinta horas depois a mãe pegou na enxada
e foi roçar nas bordas dos caminhos
manadas de ervas
para a ovelha triste.
E a criança ficou no pardieiro
só com o fumo negro das paredes
e o crepitar do fogo,
enroscada num cesto vindimeiro,
que não havia berço
naquela casa.
E ninguém conta a história do menino
que não teve
nem magos a adorá-lo,
nem vacas a aquecê-lo,
mas que há-de ter
muitos reis da Judeia a persegui-lo;
que não terá coroas de espinhos
mas coroas de baionetas
postas até ao fundo do seu corpo.
Ninguém há-de contar a história do menino.
Ninguém lhe vai chamar o Salvador do Mundo.


Álvaro Feijó



quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Não sei...


... se alguma vez viste a morte
crescer no corpo de alguém
sobe lenta como se fossem as escadas
a chegar-te depressa
ou a memória como uma coisa viva
e impalpável como uma fotografia


Pedro Sena-lino


terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Palavras


Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.
Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...
Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.


Pedro Tamen




segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Dos dias


Em qualquer lado me desligas o fio e assombras a memória
Se não existisses morria de sede m
orria de medo


Maria Quintans

sábado, 17 de dezembro de 2011

Melancolia




A melancolia pode às vezes ser isto,
um modo de sobreviver ao vazio, o comovido
jeito de pôr a mão sobre o mármore da mesa
e pedir outro martini fresco
se faz favor.


Manuel de Freitas

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Uma janela




Uma janela ser-me-á suficiente
Uma janela para o momento da consciência
Da observância
E do silêncio.



Forugh Farrokhzad

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O quereres

....

Onde queres o ato eu sou o espírito,
e onde queres ternura eu sou tesão
Onde queres o livre decassílabo,
e onde buscas o anjo eu sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão...

Ah, bruta flor do querer,
Ah, bruta flor, bruta flor...


Caetano Veloso

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Monólogo




A pálpebra diz à pupila:
Quando o sono vier deixa-me entrar na tua casa

Albano Martins

sábado, 10 de dezembro de 2011

Ofício



Limpo palavras.
Recolho-as à noite, por todo o lado:
A palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia
Enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.
Quase todas as palavras
Precisam de ser limpas e acariciadas:
A palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,
É preciso raspar-lhe a sujidade dos dias
E do mau uso.
Muitas chegam doentes,
Outras simplesmente gastas, estafadas,
Dobradas pelo peso das coisas
Que trazem às costas.
A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papéis no ar
E é preciso fechá-la na arrecadação.
No fim de tudo, voltam os olhos para a luz
E vão para longe,
Leves palavras voadoras
Sem nada que as prenda à terra,
Outra vez nascidas pela minha mão:
A palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.
A palavra obrigado agradece-me.
As outras não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
E lavadas como seixos do rio:
A palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.
Vão à procura de quem as queira dizer,
De mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes um braço para apanhares
A palavra barco ou a palavra amor.
Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.


Álvaro Magalhães

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Magnólias


Esqueceram-se das folhas tão grande era a pressa de florirem


Jorge Sousa Braga

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Faltas


...
De súbito faltas-me debaixo dos pés
e noutros lugares


De ti é possível dizer
que te ausentaste para parte incerta
deixando tudo no teu lugar
...
De súbito faltam-me as palavras




Manuel António Pina

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Talvez


Repara, através dos meus olhos descobrirás como é grande a tristeza do mundo. Apenas isso.

E quando aqui não estiveres, espetarei todas as facas que encontrar nas paredes febris da noite.
Talvez sangre dos pulsos.

Talvez te escreva


Talvez



Al Berto

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

As minhas estranhas dores




No entanto hei-de falar-vos delas um dia, se me lembrar, se puder, das minhas estranhas dores, em pormenor, distinguindo entre os diferentes géneros, para maior clareza, as do entendimento, as do coração ou afectivas, as da alma () e finalmente as do corpo propriamente dito, primeiro as internas ou latentes, depois as da superfície...
E, aos que tiverem a gentileza de me ouvir, falarei também, na mesma ocasião, de acordo com um sistema inventado já não me lembro por quem, daqueles instantes em que, sem se estar drogado, nem bêbado, nem em êxtase, não se sente nada.


Samuel Beckett

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

E eu?




Cheguei ou não parti?

Que estranha a minha solidão!
Não sei se estou só
Por estar sòzinha
Ou se estou sòzinha
Por ser só.


Ana Hatherly