Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada, sem o teu peito liso e claro como um dia de vento, e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste, hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus
terça-feira, 30 de abril de 2013
segunda-feira, 29 de abril de 2013
domingo, 28 de abril de 2013
O sorriso
Creio que foi o sorriso,
o
sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
Eugénio de Andrade
sexta-feira, 26 de abril de 2013
Encontro
Alguém entra no silêncio e abandona-me.
Agora a solidão já não está só.
Tu falas como a noite.
Anuncias-te como a sede.
Alejandra Pizarnik
sábado, 20 de abril de 2013
O poema feio
a princesa feia não casou mas, no tempo em que foi visitada por príncipes solteiros, querendo agradar, cortou uns palmos às pernas para ficar mais baixa e cómoda ao abraço, puxou pelos dedos para ficar com eles compridos, amassou os seios de encontro ao pescoço para subirem aos olhos da gente, rasgou os lábios para sorrir eternamente. agora, ali sentada, sozinha de amores, lembrava-se de ser impossivelmente a mulher que foi, mas os ratos passavam-lhe entre as falhas cortadas das pernas, e os dedos desjuntavam-se irremediavelmente murchos de encontro ao chão, os seios coagularam como calcificados com as marcas desorganizadas das mãos e os lábios articulavam apenas palavras de dentes, trituradas pelo osso da cabeça lentamente vertendo para fora da pele. conformada, a princesa feia, dizia à prioresa sua amiga que o vento estava louco. levantava-se instável e profundamente mortal, fechava a janela e voltava ao silêncio
Valter Hugo Mãe
sexta-feira, 19 de abril de 2013
quinta-feira, 18 de abril de 2013
Longa e lenta
quero levar-te nas mãos
coisas que nunca vi
quero cegar
e com a loucura
dos dias iguais
erguer
a muralha das horas
longa
como o longo beijo da noite
lenta
como o lento vermelho das rosas
gil t. sousa
quarta-feira, 17 de abril de 2013
Em casa
Quando o ser da luz for
o ser da palavra,
no seu centro arder
e subir com a chama
(ou baixar à água)
então estarei em casa
Eugénio de Andrade
terça-feira, 16 de abril de 2013
domingo, 14 de abril de 2013
Dentro dos dias
De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.
Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.
De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.
Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças
Cecília Meireles
sexta-feira, 12 de abril de 2013
Razões
se regressar, será aos teus olhos que regresso.
os acasos ardem nos lábios dos amieiros que na margem do rio
aguardam que regresse. a isso regresso, buscando
coincidências e nomes, razões. afasto-me
provavelmente de ti, embora secretamente.
é por isso estranha a forma como os acasos ardem
para sempre. a outro rio e sob outras sombras
regresso, devagar para não ferir o que antes amei
e por quem morri muitas vezes. agora de novo morro
e por outro rio regresso até ao lugar onde elas, as aves,
nascem para não desaparecerem. e isso é como permanecer.
Francisco José Viegas
quinta-feira, 11 de abril de 2013
quarta-feira, 10 de abril de 2013
Qualquer coisa
Um hálito de música ou de sonho, qualquer coisa que faça quase sentir,
qualquer coisa que faça não pensar
Fernando Pessoa
(Bernardo Soares - Livro do Desassossego)
terça-feira, 9 de abril de 2013
Claridade
Perdemos repentinamente a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos conservar
mas levamos anos a esquecer alguém
que apenas nos olhou
José Tolentino de Mendonça
segunda-feira, 8 de abril de 2013
Hoje
Resvalas neste sopro.
Sabes
que tens o olhar ferido
desde sempre, que o incêndio
das palavras em trânsito celebra
prescritas sílabas, ancorados
ritos, desprevenidos
equinócios.
Dantes,
havia um mar crispado
na fissura dos lábios. Hoje, apenas
algumas gotas de sal.
Albano Martins
( Foto de Graça Loureiro )
domingo, 7 de abril de 2013
Pela margem do teu corpo
Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve breve
instante da loucura....
Ary dos Santos
quinta-feira, 4 de abril de 2013
quarta-feira, 3 de abril de 2013
Já não me lembro
Foi no primeiro deserto.
Dois braços lançaram uma grande pedra.
Não houve um grito. Houve sangue.
Houve pela primeira vez a morte.
Já não me lembro se fui Abel ou Caim.
Jorge Luis Borges
terça-feira, 2 de abril de 2013
Ouve
Estou farto de escavar nos olhos
abismos de ternura
onde cabem todos menos eu.
Estou farto de palavras de perdão
que me ferem a boca
dum frio de lágrimas quentes de punhal.
Estou farto desta dor inútil
de chorar por mim nos outros.
- Eu que nem sequer tenho a coragem de escrever
os versos que me fazem doer.
José Gomes Ferreira
segunda-feira, 1 de abril de 2013
Calendário das Dificuldades Diárias
Não é a primeira vez que me queixo,
ninguém me escuta.
Esta noite a chuva entrou-me pelos ossos
e não há quem acenda o lume.
Quem partiu levou (me) consigo
(...)
deixando atrás de si a porta aberta.
Eugénio de Andrade
Subscrever:
Mensagens (Atom)