sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Sofro de vertigens

 

 
Conservei-me afastada do estendal durante algum tempo. Sofro de vertigens, por isso intimidava-me olhar para baixo, o pátio vazio, restos de flores secas. Um prédio com dez andares e ele tinha logo que viver no último, tendo como horizonte o mar de terraços e antenas parabólicas. Quando, chegado com a roupa da máquina de lavar, pega em mim, de suas mãos eu deslizo para o chão. Apressado, em vez de me apanhar imediatamente, escolhe outra; no final, atira-me para o cesto de verga. Não é que seja particularmente ardilosa, mas verdade seja dita, preferia ser mola de rés-do-chão, dessas que faça sol ou chuva sempre prendem a roupa numa corda estendida no pátio. O destino quis-me feita de plástico, com um coração inclinado à melancolia. Tenho, no entanto, como divisa antes quebrar que torcer. Sonho com o dia em que nas mãos da criança serei um comboio.


 
Jorge Gomes Miranda