terça-feira, 26 de abril de 2011

E ainda agora


Uma boca e a mão para a dizer.

Fui colhendo a noite, palavras surdas,

o silêncio que a morte continua

sob a pele da madrugada.

Cada dia tenho menos um coração,

menos uma noite. Resta-me a memória

de abril dentro um copo de esquecimento,

o fundo da liberdade

que alguém bebeu de nós:

a canção morena da alegria,

o cravo ao rubro de fundir a paz.

Menos uma boca, uma criança

alada. Menos uma cidade onde a esperança

se cola ao rosto. Os meus passos presos

ao chão são menos o olhar que a manhã

oferece. Mas era uma vez e aconteceu

um dia, em todos os outros desse dia,

por muito tempo e ainda agora:

acordar, pôr o café na chávena

e barrar o pão com a liberdade.

Rosa Alice Branco