Demorou dois meses a livrar-se dos livros.
Dezassete caixotes de cartão,
um em cada manhã, a caminho do trabalho.
Abandonava-os no estacionamento.
Primeiro os livros, depois as estantes,
prateleira a prateleira, com a decepção de quem
renuncia a uma fé.
Deixara de ler. Agora, bastavam-lhe
alguns minutos no corredor do supermercado.
Folheava ao acaso, reprimindo a repulsa.
Tinha deixado de escrever.
Recusava-se a acrescentar uma palavra que fosse
à pilha de papel impresso
que lhe esmagava a carne. Para papel,
bastava-lhe o do escritório, o peso e a espessura
do arquivo morto da burocracia.
Relatório, inventários, estatísticas.
Com o tempo talvez dos números
emergisse uma imagem de mundo.
Alguma coisa em que acreditar.
Mais tarde, quando lhe ocorria um título,
dirigia-se à estante, uma prateleira no armário
da televisão,
e não encontrava lá nada.
Voltava para o quarto, mas continuava a senti-los,
feridos como é possível
sentir a dor de um membro há muito amputado.
Madalena de Castro Campos
Excelente e intenso poema. Parabéns:))
ResponderEliminarVoam borboletas em desejos fugazes.
Bjos
Votos de uma óptima Quarta - Feira
voltaste :)
ResponderEliminarMuito obrigada pelo Regresso
ResponderEliminarDuele, pero volviste: una alegría. Y un placer.
ResponderEliminarAbrazo. Grande.
<3
ResponderEliminarEsquecendo a dor... excelente regresso.
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