sexta-feira, 27 de março de 2020

tudo isto



Hoje, vieram buscar-me cedo.
 É a tal história, tiram-me do sono, 
 passam-me para a maca e
 ninguém quer saber das minhas vontades.
 Nem fui fazer chichi, nem me fizeram o buço. 
 Estou com o bordado da fronha estampado nas fuças 
e, com este péssimo aspecto, 
 fazem-me desfilar pelos corredores cheios de gente 
que acorda de madrugada
 e se põe bonita para vir aqui tirar fotografias
 a rins e pulmões. 
 Fora a vadiagem que só entra para aquecer os pés,  
estou eu, feita bicho, amarrada a uma etiqueta,
 como os cavalos na feira. 
 Por isso, puxo com os dois braços
 uma fralda que encontro por perto
 e enxugo o meu rosto pejado de medo, 
 porque tudo isto é mesmo uma merda, 
 mas depois melhora um pouco
 quando me enchem de morfina
 e me devolvem, à saída, o telemóvel. 






 Golgona Anghel
 (Foto de Monia Merlo)

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