domingo, 8 de março de 2015




As mulheres loucas arrumam os quartos, fazem
 as camas desfeitas, empilham camisas e calças, 
abotoam os cintos do infinito, prendem os laços 
da sombra. Com os seus olhos cegos, enfiam
 agulhas no buraco da vida, cosem as feridas
 do amor que não tiveram, cantam devagar
 a canção da idade fria. Dispo essas mulheres
 no meu poema; espalho as suas roupas pelas cadeiras
 do quarto; abro a cama onde as deito; rasgo 
os pontos que acabaram de coser. O seu sexo - 
seco pelos ventos de uma inquietação nocturna
 - humedece-me os dedos. Desfolho os dias de março
 enquanto desfloro os seus lábios. Por vezes,
 as mulheres loucas abrem a porta da varanda, 
respiram o perfume das trepadeiras brancas
 da primavera, desmaiam com o sol. 





 Nuno Júdice
 (Foto de Natalia Drepina)