Antes de saíres olhaste para este relógio e disseste que voltavas ao início da noite. Eu não te perguntei a que horas voltavas. Disseste que voltavas às nove. Eu estava a ler, sabia que ias sair, esperava que fosses sair e não olhei para o relógio. Tínhamos acordado às duas da tarde. Tínhamos comido. Eram três horas da tarde. Olhei-te quando aproximaste o teu rosto, os teus lábios para nos beijarmos. Não te olhei quando saíste mas, agora, consigo imaginar a porta depois de a teres fechado, os teus passos a desaparecerem nos degraus da escada e, depois, o silêncio sem ti. Consigo até imaginar-te na rua. As tuas mãos sobre a mala que compraste, os teus passos. Talvez te tenha imaginado durante alguns instantes depois de saíres. . No entanto, se o fiz, essas imagens misturam-se com aquilo que lia e com a certeza de saíres e de ter de aprender a estar sem ti algumas horas. Demorei meia hora até olhar para o relógio, este relógio, o mesmo para onde olhaste antes de saíres quando disseste que voltavas às nove. Tinha passado meia hora e, por isso, continuei a ler. Tentei não pensar que faltava mais de dez vezes o tamanho daquele tempo que passei sem ti até te ver de novo. Continuei a ler, mas tu estavas no fim de cada parágrafo, escondida entre as frases, no momento de virar uma página. Tentei não olhar para o relógio. Olhei para o relógio eram cinco horas, eram seis e meia, eram sete e meia. Às oito horas, pousei o livro e comecei a esperar-te. Fiquei sentado neste sofá, nesta sala, a esperar-te. São onze horas. Agora, sou eu que me vou embora. Quando regressares, se regressares, não me irás encontrar. Nunca mais. Não me encontrarás nem a mim, nem a este bilhete de despedida que pensei deixar-te, mas que vou rasgar já em seguida.
José Luís Peixoto