Canto sempre assim, despida.
Estranha-se?
Eu pergunto: a gente não se despe para amar? Por que não ficar nua para outros amores?A canção é só isso: um amor que se consome em chama entre o instante da voz e a eternidade do silêncio, desenhável segundo tonalidades de música.
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Cantando eu convoco um certo homem. Um apanhador de pérolas, vasculhador de maresias. Esse homem acendeu a minha vida e eu sigo por iluminação desse sentimento. O amor, agora sei, é a terra e o mar se inundando mutuamente.
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Minha vida se tornava tão densa que o tempo sofria enfarte, coagulado de felicidade. Só esse homem servia para meu litoral, todas vivências que eu tivera eram ondas que nele desmaiavam.
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Perdi o búzio e o mar que ecoava dentro. Ele embarcou... Na despedida, ele me pediu que cantasse. Vejam-se as aves quando migram. Choram? O que elas não prescindem é do canto.
- E porquê? - perguntou o peroleiro. O gorjeio, explicou ele, é a âncora que os pássaros lançam para prenderem o tempo, para que as estações vão e regressem como marés.
- Você cante para chamar meu regresso.
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Minha vida foi um esperadouro. Estive assim, inclinada como praia, mar desaguando em rio, mar naufragado.
- Esse homem me lançou um bom-olhado? Me socorria a lembrança de seus braços como se fossem a parte do meu próprio corpo que me faltasse resgatar. Para sempre me ficou esse abraço. Por via desse cingir de corpo a minha vida se mudou. Depois desse abraço trocou-se, no mundo, o fora pelo dentro. Agora, é dentro que tenho pele. Agora, meus olhos se abrem apenas para as funduras da alma. Todo este tempo me madreperolei, me enfeitei de lembrança.
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Minha única salvação será, então, cantar, cantar como ele me pediu. Entoarei a mesma canção da despedida. Para que ele se debruce em mim para me levar.
Mia Couto