sábado, 20 de fevereiro de 2016

Insónia




Já passa das quatro da manhã e não consigo dormir. A escuridão prolonga-se no meu peito cheio de suor e taquicardia, a noite passa como um flashback imprescindível para compreender o resto do filme. No sonho acordado, correm aquelas imagens condensadas nas pessoas conhecidas, mas que não são elas, são outras disfarçadas de mim, uma florescência. Levanto-me e ligo a televisão. Passeio a insónia pela publicidade aos utensílios de cozinha, aos instrumentos de tortura de perder peso, e talvez memória, com imagens de o antes e o depois, como se fosse possível a mudança anunciada em sonhos cabalísticos ou nos sonhos onde se voa sobre uma montanha, e que nos fazem acordar em grande aflição, a perder o pé. Daqui a pouco tenho de acordar de vez e esquecer-me de mim, meia hora no chuveiro, ensaboar-me três ou quatro vezes, distraído, sem reparar no corpo, na carne, na flacidez do tempo (muita gente pensa que eu sou um anjo alinhado pelo meridiano de Greenwich, com uma flor acorrentada no bolso do colete )






 António Ferra
 (Foto de Anna O)