terça-feira, 31 de maio de 2016

um lugar ao sul




hei-de 
um dia levar-te a ver o sul o sol um dia






 João Luís Barreto Guimarães

segunda-feira, 30 de maio de 2016




é um tempo de cinza, este que vivo sem ti. é um tempo nulo, este que atravessa os dias de espera.
 tempo de cardos no coração. tempo que se amachuca numa folha de papel escrita. 
nada, a não ser a respiração que acredito ser minha. 

 o mundo desfaz-se apressadamente






 Al Berto (Diários)

sábado, 28 de maio de 2016





(Gosto muito do Sr. Byrne)








A solidão de dois numa mesa. 
A solidão de dois numa cama. 
A solidão de dois, quando um só deles ama. 






 Vicente Gallego

sexta-feira, 27 de maio de 2016




Passo os dias a florir os campos para ti







Al Berto
 (foto de Anna O)

domingo, 22 de maio de 2016




o pior veneno para o coração é estares aqui, quase a tocar-te, e saber-te ausente 






 Al Berto

sábado, 21 de maio de 2016




Tornou-se igual à cidade que viera habitar. Tinha dentro de si espaços novos e rectilíneos, 
 bairros com casas todas iguais, habitações fechadas em pátios, zonas de utilização pública. 
E pedaços degradados, ruínas de lojas cadentes, à espera de trespasse ou liquidação total. 






 Antonio Ferra

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Nunca mais




Eu sempre perguntava coisas tontas, 
é certo. Perguntava, por exemplo, 
se voltarias a amar-me tanto 
como nos dias do amor mais jovem, 
ou mesmo mais, ou mesmo mais que nunca,
 mesmo mais que a ninguém, e se serias
 capaz de confessá-lo ante qualquer. 
É certo, perguntava coisas tontas, 
não merecia uma resposta séria. 
Aquele ser, mais escuro que a noite 
mais escura da alma, respondia 
sem olhar-me nos olhos: «Nunca mais.» 







 Amalia Bautista
 (Foto de Laura Makabresku)

quarta-feira, 18 de maio de 2016




Todas as noites me acaricio
 com os teus dedos,
 fecho os olhos e sugo os teus dedos 
sob o contorno dos meus
 e conduzo-te pelo meu corpo 
como tu me conduzias. 






 Inês Pedrosa
 (Foto de Ezgi Polat)

terça-feira, 17 de maio de 2016




Tudo o que em mim vive 
traz dentro uma faca 
o teu amor em mim
 que por dentro me corta 






 Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 16 de maio de 2016




Eu não tinha nada de felino, tu sabias 
que eu não tinha nada de felino. 
Nenhum de nós se admirou quando 
medi mal a distância e falhei o salto. 
Enquanto ia no ar parecia que era 
um salto bom, porém houve qualquer
 coisa que correu mal e caí com estrondo
 no chão. Ninguém riu. Não era caso 
para rir. Grande ilusão ir pelo ar a pensar 
que o salto podia ser bom, sem eu ter
 nada de felino, sem nunca ter treinado, 
sem fazer sequer aquecimento, sem
 olho para medir distâncias. Saber medir 
distâncias é uma coisa muito importante,
 pode falhar-se a vida por milímetros. 






 Helder Moura Pereira
 (Foto de Laura Makabresku)

sexta-feira, 13 de maio de 2016




Se as flores fecharem este Verão
 Abrirei, contigo, um novo Outono. 

 Não duvides.

 O calor há-de fartar 
E apetece cair, como as folhas que tombam felizes

 Já sem febre, nem paixão. 






 Rui Pedro Gonçalves
 (Foto de Natalia Drepina)

quinta-feira, 12 de maio de 2016




"Sempre que o vento te ralhe 
E a chuva de maio te molhe 
Sempre que o teu barco encalhe
 E a vida passe e não te olhe 

 Podes vir chorar no meu peito 
Pois sabes sempre onde estou"






terça-feira, 10 de maio de 2016




Coisa esquisita é esta da lembrança! 
Na maior noite
 na maior solidão, 
vem a tua presença verdadeira, 
e eu vejo no teu rosto o teu desgosto, 
e um ramo de flores, que não existe, cheira! 






 Miguel Torga
 (Foto de Anna O)

segunda-feira, 9 de maio de 2016




pergunto-me se mereces este poema
 pergunto-me se o escreverei
 contigo dentro de cada palavra
 e de querer eu mesmo ser poema 
e não poeta 
para que pernoites ao menos uma vez 
dentro do meu corpo imaginado 






 Al Berto

sábado, 7 de maio de 2016




Foi no verão que a aprendeste, com dedos afeiçoados aos instrumentos da paciência, a entrar na noite. 
 Medias então os dias com rigor de lábios, declinando o mel e a sua sabedoria. 
 Sempre partilhaste a casa, meu perdulário, na confluência das águas e da sede. 
 E enquanto aguardavas a violência do silêncio, passavam as aves






 Eugénio de Andrade
 (Foto de Laura Makabresku)

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Não deites fora as cartas de amor




Elas não te abandonarão. 
Passará o tempo, apagar-se-á o desejo
 - essa flecha de sombra - 
e os rostos sensuais, inteligentes, belíssimos 
ocultar-se-ão em ti, no fundo do espelho. 
Cairão os anos. Cansar-te-ão os livros. 
Decairás ainda mais 
e perderás até a poesia. 
O ruído frio da cidade nos vidros
 acabará por ser a tua única música, 
e as cartas de amor que tiveres guardado
 serão a tua última literatura. 



( gosto tanto deste poema)






 Joan Margarit

quarta-feira, 4 de maio de 2016




Fico assim, perdido no fundo de mim mesmo, 
sem nome, sem olhar o que me rodeia, 
sem corpo que me transporte, 
sem pensamentos.

 ... 
Estou gasto. 
Dei-me sempre mais do que podia.






 Al Berto
 (Foto de Natalia Drepina)

domingo, 1 de maio de 2016

dos meus filhos




Agora que o indeciso mês assentou 
em dois ou três episódios - uma telha
 que se fez manancial onírico de dois gatos, 
por exemplo - posso recuperar 
o fio de música que me escapou todo o ano
 e despenhar-me sem pejo
 na intimidade com os gritos mais sinceros. 

 O que dissolve nas sombras desta casa
 é o vil trono da minha juventude






Vasco Gato
 "Primeiro Direito"