sábado, 31 de dezembro de 2016

bom ano




Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto 
Esse eterno levantar-se depois de cada queda 
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha 
Essa terrível coragem diante do grande medo, 
e esse medo Infantil de ter pequenas coragens 






 Vinicius de Moraes

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016




qualquer coisa assim 
como um tempo sem fim 
como um espaço sem tempo 





 Mário Cesariny

terça-feira, 27 de dezembro de 2016




Ei-la a minha
 última morada – 
Cinco pés de neve!






 Kobayashi Issa

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

e o amor parado




Tu eras a pessoa mais antiga que eu jamais conheci.
 Eras a monotonia de meu amor eterno, e eu não sabia.
 Eu tinha por ti o tédio que sinto nos feriados
 O que era? era como a água escorrendo numa fonte de pedra, 
e os anos demarcados na lisura da pedra, 
o musgo entreaberto pelo fio d’água correndo, 
e a nuvem no alto, e o homem amado repousando,
 e o amor parado, era feriado, e o silêncio no voo dos mosquitos. 
E o presente disponível. E minha libertação lentamente entediada,
 a fartura, a fartura do corpo que não pede e não precisa. 








 Clarice Lispector

domingo, 18 de dezembro de 2016




O gato lembra-se de ti nos intervalos. Espera 
de olhos acesos as histórias que nos contas. 
Passeia-se inquieto sobre o meu parapeito e eriça 
o pêlo, cúmplice, quando pressente que regressas. 

 Chegas sempre de noite. Sei quem és e ao que vens 
e ofereço-te o silêncio de um pequeno quarto recuado,
 as sombras das traseiras na minha pele, o tempo 
de repetir um gesto inevitável. Ouço-te contar 
 a mesma lenda com lábios sempre novos. Aprendo-a
 e esqueço-a. Nunca a saberemos de cor, o gato ou eu. 

 Depois partes. Levas contigo a tua voz, mas a música
 fica. Eu fecho as portadas devagar. O gato mia baixo
 à janela. Ninguém acena: guardamos com os outros 
o segredo das tuas visitas. Ambos. O gato e eu. 






 Maria do Rosário Pedreira

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

aceito nunca mais te tocar





Eis a noite da noite onde abro e folheio livros. Esqueço a minha vida toda, ponho-me a cismar sobre aquilo que ainda não sonhei. E aceito como único alimento, o brilho estático das estrelas. Aceito como único presságio a melancolia aérea das açucenas. Aceito como único consolo a desolação imensa dos teus braços. Aceito como único vício aquele cuja pele ainda não toquei. Aceito como única noite a das searas do fundo do mar. Aceito como única fala possível aquela que é susceptível de rasgar pulsos. Aceito como único corpo aquele que não cresceu dos relógios do mundo. Aceito como único sonho aquele espelho onde te reflectes e me encontro, a noite que me devora, aceito esta dor que me consome, esta escrita, este coração,  este silêncio cada dia maior e mais perturbador, aceito esta cadeira, este livro, este nome, estes olhos esmagados pela insónia, esta cama vazia, este frio, aceito esta janela, esta música , esta faca, este sussurro, esta ausência, estes cadernos rabiscados que não servem para grande coisa... aceito a inutilidade de viver, de morrer, de estar aqui, de me deslocar, de permanecer imóvel, de esperar,  a inutilidade de ouvir, de falar, de escrever, de amar,  aceito o abismo, o olhar ferido na penumbra dos quartos , a dor das mãos percorrendo um corpo, aceito este vazio, aceito esta loucura que me assola lentamente, lentamente, aceito ficar louco, inconsciente, indefeso, aceito viver com estas garras cravadas na alma, aceito a tristeza que me ofereces, a pouca água que necessito para a minha sede, aceito nunca mais me lembrar de mim , nunca mais te tocar , aceito não possuir nada, não querer nada, aceito, aceito nunca mais aqui voltar, nunca mais. 









 Al Berto (Diários)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016




Também quiseste ser a concha, ter um abrigo seguro na pérgula das águas. 
E foste apenas um molusco indefeso e vulnerável a todos os engodos e a todos os anzóis. 






 Albano Martins

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

nada




Porquê? Para quê? 

 Por nada. Para nada. Mas não perguntes. 






 Vergílio Ferreira

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016




E é este o quarto onde costumo estar nas noites assim; o quarto onde costumo estar nas noites que não são bem assim; 
o quarto onde costumo estar todas as noites e onde nunca nada jamais acontece a não ser o estrépito do céu caindo à vez pelos telhados. 







 António Gregório
 (Foto de Nishe)

domingo, 11 de dezembro de 2016




O rádio toca canções de amor enquanto o telefone permanece mudo
 e as paredes seguem paradas e estáticas, e a cerveja é tudo o que há. 






 Charles Bukowski

sábado, 10 de dezembro de 2016

Diários




Toda la noche me abandonas lentamente como el agua cae
 lentamente. Toda la noche escribo para buscar a quien me busca. 

 Palabra por palabra yo escribo la noche 







 Alejandra Pizarnik

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016




Estendo meu corpo sobre as madeiras gretadas pelas 
lágrimas, cheiro a linhaça e a sombra 

 Ah, a morfina no meu coração: durmo com os olhos 
abertos diante de um território branco abandonado
 pelas palavras 







 Antonio Gamoneda

terça-feira, 6 de dezembro de 2016




Nenhum padre da igreja
 soube até hoje explicar 
porque é que não existe 
um mandamento 11.º 
ordenando à mulher
 não cobiçar 
o homem da próxima. 






Mario Benedetti
 (Trad. A.M.)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016




Pelo trilho ensopado da chuva 
o pequeno sermão ilusório do silêncio. 

 É como se pudesses ouvir , 
como se eu ainda te amasse . 







 Paul Celan
 (Foto de Laura Makabresku)

sábado, 3 de dezembro de 2016

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Diários




y nos iremos en um corazón que espera 
amarrado al borde de un precipicio 


(os diários
sempre os diários)



 Alejandra Pizarnik
(Foto Isabelle Huppert)