quarta-feira, 31 de janeiro de 2018




A rapariga que esperava muito 
as cartas do namorado
 que lhe escrevia muito pouco
 casou-se com o carteiro






 Adília Lopoes

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018




É desnecessário saires de casa
 para ver flores Dentro de ti há 
flores e em cada flor
 milhares de lugares onde te
 sentares clarões de beleza
 sem fim dentro e fora do teu
 corpo antes e depois do jardim






 Kabir

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018




Não se regressa
 É de lágrimas a paisagem que vejo







 Rui Knopfli
(Foto de Mariam Sitchinava)

terça-feira, 23 de janeiro de 2018




Pergunto a mim próprio em que noite nos perdemos?
 que desencontro nos levou de um a outro lado das
 nossas vidas? e que caminhos evitámos para que os nossos
 passos se não voltassem a cruzar? Mas as perguntas que
 te faço, hoje, já não têm resposta. Sento-me contigo, 
 nesta mesa da memória, e partilho o prato da solidão. Tu, 
 na cadeira vazia onde te imagino, sacodes o cabelo com
 um aceno de ironia. E dou-te razão: as coisas podiam 
 ter sido de outro modo. Não te disse as palavras que
 esperaste; e havia o mar, com as suas ondas, nessa tarde
 em que me puxaste para longe da cidade, como se
 a noite não nos obrigasse a voltar, quando o horizonte
 se apagou a nossa frente. Depois disso, nenhuma
 pergunta tem resposta. O que é absurdo há-de continuar
 absurdo, como o horizonte não se voltou a abrir, 
 trazendo de volta os teus olhos que me pediam que
 os olhasse, até que a noite me impedisse de o fazer








 Nuno Júdice

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018




Não vás ainda. Volta de novo.
 Vou deitar-me outra vez no meu lugar e deixar o teu à tua espera. 
Vem de noite sem eu dar conta e acordar contigo
 ainda no teu sono e tocar-te e seres tu. 






 Vergílio Ferreira
 (Foto de Nishe)

domingo, 21 de janeiro de 2018




Vi Roma a arder, e neros vários
 bronzeados à luz da califórnia 
guardar em naftalina nos armários 
timidamente, a lira babilónia; 
as capitais da terra, uma a uma, 
desfeitas em nuvem e negra espuma, 
atingidas de noite no seu centro; 
mas nunca vi paris contigo dentro.
 E falta-me esta imagem para ter
 inteiro o álbum que me coube em sorte
 como um cinema onde passava «a morte»; 
solene imperador, abrindo o manto
 onde ocultei a cólera e o pranto, 
falta-me ver paris contigo dentro. 






 António Franco Alexandre

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

travessia




Nunca houve deus, nem virgens, nem santos, 
nem ícone que proteja, nem oração que console; 
nunca houve milagres ou prodígios, 
nem salvação da alma ou vida eterna; 
nem palavras mágicas, nem bálsamo eficaz 
contra a dor que não enfraquece nunca;
 e nem luz do outro lado das sombras,
 nem saída do túnel, nem esperança. 
Só nos acompanha nesta travessia
 um anjo da guarda perplexo que suporta 
a mesma vida que cão que nós todos. 






 Amalia Bautista

domingo, 14 de janeiro de 2018




nunca lhe aconteceu nada de grande, viveu o que toda a gente viveu. 
Se lhe perguntassem da paixão, responderia espantada que o amor desvia os olhos dos nomes, volta-se para a janela:

 - toda a vida o mesmo céu, este, contra o qual envelheço. 






 Rui Nunes

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018




Então fechava os olhos para só haver noite
 e ouvir o sopro do sonho
 na luz imperfeita. 






 José Gomes Ferreira
(Foto de Mariam Sitchinava)

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

treze




Existiu e não é. 
Os retratos amarelecem ao fundo da gaveta. 






 Rui Knopfli
 (Foto de Nishe)

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018




Como as gaivotas 
 Atravessando o temporal
 aprendemos a planar. 
Sobrevoar a vida
 para avançar usando 
a violência do vento. 
Tal como as gaivotas. 







 Joan Margarit

terça-feira, 9 de janeiro de 2018




Janeiro não é mês para morrer, 
nem o mar nem a luz são
 propícios - parece que vai nevar 
Mesmo assim, tu decidiste 
que seria a última, esta tarde: 
vias uma criança escalar o muro
 do verão, e sorrias - há muito tempo. 






 Eugénio de Andrade

sábado, 6 de janeiro de 2018

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018




não sei bem se continuo apaixonado, não sei bem se vale a pena continuar apaixonado por ti. 
 não sei. vejo-te e todo eu tremo. todo o meu corpo é um lamento, e pede socorro ao teu olhar, 
 às tuas mãos. a um simples sorriso. uma palavra que me descanse. 





 Al Berto
 (Foto de Laura Makabresku)

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018