domingo, 28 de agosto de 2022

esperar



 

Em todas as casas há um canto para esperar. 
O ponteiro dos segundos invade o espaço com a sua música mecânica. É uma tortura a que se dá corda. Há dias em que só há uma maneira de lidar com o tempo: matá-lo! 
A cadeira de baloiço, incorpora no corpo o inevitável pulsar do universo e veste a ansiedade com um rosto humano. 
Deixa de ser o tempo a passar. É o som do nosso corpo no soalho da casa. 
É assim que nos salvamos. 
A espera e a saudade vibram nas paredes da sala como um fenómeno natural e nós apenas somos uma pequena peça desta engrenagem maior.
 Entre nós e o outro apenas existe um eterno fio que nos laça o passado com o desejo. 
É por isso que quando partes nunca te vou ver à janela. 
É na cadeira de baloiço que te aguardo 






João Monge

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

retratos e livros



 

Quem foi que disse que a ausência faz crescer o afecto? 
Guarda a tua raiva, é um recurso precioso. 
Não te livras do turno da noite, dos pensamentos neuróticos da tua cabeça, 
uma espécie de monólogo das aulas de teatro. 
Mas quem sabe o que o passado te reserva para esta insónia? 
Pode ser whisky, ou preferes algo mais frutado? 








Vitor Nogueira

sábado, 6 de agosto de 2022

uma ausência





Em voz alta, ensaiei o teu nome: 
a palavra partiu-se 
Nem eco ínfimo neste quarto
 quase oco de mobília 

 Quase um tempo de vida a dormir
 a teu lado e o desapego é isto: 
um eco ausente, uma ausência de nome
 a repetir-se 

 saber que nunca mais: reduzida
 a um canto desta cama larga, 
o calor sufocante

 Em vez: o meu pé esquerdo
 cruzado em lado esquerdo
 nesta cama 

 O teu nome num chão 
nem de saudades 








 Ana Luísa Amaral

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

agosto


As plantas acenavam ao vento de agosto,
  nas suas hastes finas e verdes.
E disse-me a mais faladora de todas,
  alta e trigueira:
- Dás-me dez anos da tua vida?
Eu só tinha cinco anos,
pus-me a contar pelos dedos,
vi que ia ficar com muito pouco.
- Dou - disse eu.
E ainda hoje, que nunca mais soube de mim,
  vou com o vento, balouçando.
E agosto é todo o ano para mim.




Ruy Belo