quarta-feira, 31 de agosto de 2016




O Verão 
Está quase a terminar 

 Não 
O diremos a ninguém. 







 Daniel Faria

terça-feira, 30 de agosto de 2016




numa noite de audácia incomparável
 passo a tratar-te por tu, e abraço com as pontas dos dedos 
os nós das tuas mãos; no fresco calor condicionado 
de um quarto onde a luz não dá para ler, recito
 estrofes e mitos; beijo-te, não é? nada estava escrito, 
nenhuma verdade comum aos planetas, 
éramos só nós sem nenhum segredo, 
vivos e completos, serenos, mortais 







 António Franco Alexandre

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Uma coisa em forma de assim




Poderá andar-se metido num amor a contragosto? Claro que sim. Um amor a contragosto é um amor em relação ao qual o sujeito que o sofre sabe/palpita que está numa perspectiva catastrófica e que, em princípio, nada pode fazer para evitar a catástrofe, que esta o espera no fim de tudo e se prepara para o mastigar sem contemplações, reduzindo-o a cisco. «Reconquista-me!», diz o objecto desse amor a contragosto, entre mostrando-se e furtando-se logo de seguida. E o sofrente do amor a contragosto compraz-se (afinal com imenso gosto!) em esfalfar-se e em arruinar-se nessa descida aos inferninhos do amor infeliz. Como se chega - e para quê - a uma situação destas? Por muitos caminhos e para muitos fins. Mas o que importa aqui dizer é que o amor a contragosto não é um amor partilhado. O sofrente nunca é igual a quem lhe inflige o sofrimento. É mais. Mais sentimento, mais tormento. «Mas que figurões!», dirão as rãs que, na circunstância, sempre se juntam para fazer coro. É que eles - o sofrente e o que faz sofrer - não sabem que estão, na sua luta (assalto e defesa), a dar-se em espectáculo aos que, de fora e ainda por cima isentos, assistem a essa terrível devoração afectiva. De um amor a contragosto dificilmente se sai. É como um vício arraigado, é como um redemoinho que puxa irresistivelmente para baixo. Talvez a única maneira, como ensinam certos nadadores experimentados em águas traiçoeiras, seja o sofrente deixar-se ir até ao fundo e aí, com um golpe rápido de braços e de pernas, sair do medonho vórtice. Então, poderá voltar à superfície, nadar para terra, sentar-se na areia e dizer: - Olha do que eu me safei! - O mundo recobrará cor e significado. Quem estiver na situação de sofrente, metido num amor a contragosto, pode treinar este processo de salvação. A Caparica não é longe. 






 Alexandre O'Neill

segunda-feira, 22 de agosto de 2016




Gosto da tua boca quando sabe
 a chocolate a vinho tinto de Portalegre a mar (é sempre a mesma coisa tem
 de aparecer sempre o mar) pensando
 bem gosto da tua boca sempre. 

 Às vezes a tua boca ri e nada sabe ri porque prevê a hora certa da minha alegria. 
 Também eu mergulho no mar porém 
 logo secos ficam meus cabelos quando
 me lembro que hoje é outra vez dia de S. Nunca. 







 Helder Moura Pereira

terça-feira, 16 de agosto de 2016




Não foi nada, não foi nada: 
podia ter sido amor. 






 David Mourão Ferreira

domingo, 14 de agosto de 2016






(sonho ás vezes com lugares onde nunca estive
 e com um homem que deixou de me amar)







sábado, 13 de agosto de 2016

preciso tanto amar-te




Preciso amar-te por isso digo fica esta 
noite, depois os dias do nosso trabalho
farão luz sobre o tempo. Tenho na cabeça 
a tempestade, tantas vezes recordo aquele 
corpo que não sabia do prazer que me dava,
 tantas vezes acordo e o seu nome quase 
 me escapa dos lábios, reconheço as feridas, 
os golpes todos, se lembro é porque quero 
esquecer. Fica esta noite, mais outra, o
 tempo que demora a cumprir a decisão de
 amar-te. E vamos fazendo o curso dos dias 
com algumas opiniões parecidas e ódios às
 coisas culpadas. A gente que diz coisas 
 de silêncio, os andaimes da cidade tapando 
saídas, as horas certas quando dizemos
 adeus. E que sentido têm estas lágrimas?
 Eu vivo neste ano e já me esqueço de mim, 
apenas vou precisar amar-te, depressa. 







 Helder Moura Pereira

quinta-feira, 11 de agosto de 2016




O verão é feito de coisas 
que não precisam de nome 
 um passeio de automóvel pela costa
 o tempo incalculável de uma presença
 o sofrimento que nos faz contar
 um por um os peixes do tanque
 e abandoná-los depressa 
 às suas voltas escuras 






 José Tolentino Mendonça
 (Foto de Cristina Coral)

quarta-feira, 10 de agosto de 2016




De nada mais preciso 
para a minha ilusão do Paraíso 







 David Mourão-Ferreira

segunda-feira, 8 de agosto de 2016




Nunca mais regressaste a casa desde agosto.
 Eu fiquei sentado na soleira da porta à espera 
da cura. Brincava ocasionalmente com o fogo, 
porque era a tua voz que me trazia o outono, 
era a fuligem nas tuas mãos que me ensinava
 a hermenêutica dos dilúvios e a mecânica 
da extinção das espécies. 

 Eu fiquei incendiado 
em compartimentos sem atributos térmicos, 
manuseando de um modo temerário coisas 
como dogmas ou outros objectos teosóficos. 

 Mas nunca mais regressaste a casa e eu aprendi
 a soletrar silenciosamente o teu regresso. 






 José Rui Teixeira
 (Foto de Ezgi Polat)

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

quinta-feira, 4 de agosto de 2016