sexta-feira, 31 de julho de 2015




havia um cheiro intenso a terra molhada. talvez de noite tivesse chovido 
como na infância , o restolho arranhou-me os joelhos
 o dia foi assim : 
 roubei três girassóis e descobri que a saudade pode doer em qualquer lugar do corpo





(Foto de Mariam Sitchinava)

quarta-feira, 29 de julho de 2015




Na boca reacendo uma navalha de lume para sufocar a solidão, 
 e as palavras que já nada podem revelar, nem ajudar. 






 Al Berto

segunda-feira, 27 de julho de 2015




Choravas como quem se procura. 
E eu descobria mundos, inventava nomes, 
enquanto ia espremendo com as mãos 
o meu sangue todo no teu sangue. 






 Albano Martins
 (Foto de Laura Makabresku)

domingo, 26 de julho de 2015




só a nudez

 para quê bolsos 
onde guardar 
 o amor 
e o cotão 





 Rui Caeiro

sábado, 25 de julho de 2015




Os que chegam não me encontram 
Os que espero não existem. 






 Alejandra Pizarnik
 (Foto de Nishe)

sexta-feira, 24 de julho de 2015




Preciso de alguém para tirar o meu corpo da cruz. 
Tenho buracos nas mãos devido ao toque. 
 Os meus pés como palavras impedem-me de partir. 
Há demasiadas questões sobre o porquê de falharmos. 
 Recuso confessar se amo ou peco 






 E. Ethelbert Miller
 (foto de Laura Makabresku)

quarta-feira, 22 de julho de 2015




Não é dor, nem cansaço, é ranço, as minhas mãos só sabem escrever, as minhas mãos não sabem, 
as letras destroem-se, destroem as frases, páginas e páginas desta destruição. 
Os meus olhos, quanto menos, mais paciência têm para os detritos. 
Eles próprios são detritos. O que vêem lentamente cega-os. 
Por entre, ressaltam os restos. Tudo é um resto. 






 Rui Nunes
 (Foto de Mariam Sitchinava)

terça-feira, 21 de julho de 2015




vou esquecer-te rapidamente até 
que o mundo seja ao contrário, porque o 
amor ao contrário é um ódio 
grande que cura os meus males. 






 valter hugo mãe

segunda-feira, 20 de julho de 2015




A esperança é uma puta 
gorda, sentada esta noite
 numa cadeirinha de bonecas 
azul-Estádio. Incharam-lhe os pés 
de tanto buscar e balouça
 os sapatos ao descompasso 
de canções em que o nome
 nunca é o seu. 
 Exige pré-pagamento, 
garante que sai sempre 
como a sorte que nem sempre tem,
e depois cobra a fé por impulso, 
tapa o silêncio com luzes 
de natal, um vestido inflamável,
 gargalhadas de ponta e mola. 
 Cá fora as pombas adormeceram 
aplicadamente à espera de um sol igual,
 há constelações desmanchadas
 no asfalto. Ela é a última espectadora 
de mais uma última sessão, 
mas a tristeza continua emboscada, 
a tocar de costas para o mundo. 
 Apanha do chão uma ideia deixada a meio,
 acende-a, hesita por instantes 
 se serão mais estrangeiros os turistas, 
os imigrantes que prometem especialidades 
de um país que não é o seu nem este,
ou ela própria. Não regressa
 a casa com ninguém: 
volta a guardar-se inteira numa mala, 
só para se poder perder de vez. 






 Inês Dias

domingo, 19 de julho de 2015




Acordar com a cidade na cama 
promessas seios o pino do verão 
Mas não estender o braço, não vá 
o lugar frio ou morno ou vazio 
 dar-nos fatalmente cabo do poema 






 Rui Caeiro

sexta-feira, 17 de julho de 2015




Olhas-me nos olhos e porém falas comigo
 como se fosse outra pessoa. Está visto: 
não podes confiar num só pensamento teu. 
 O mundo é o que nos passa pela cabeça
 e nada mais. É uma história de espelhos, 
que entretanto se transforma 
 nesta correnteza terrível. Deixa-te ir, 
não te debatas. São horas de mergulhar, 
de arrastar os destroços pelo fundo 






 Vítor Nogueira

quinta-feira, 16 de julho de 2015




O tempo não ensina
 reconduz ao erro 






 José Carlos Barros
(Foto de Mariam Sitchinava)

quarta-feira, 15 de julho de 2015




Eu podia ter-te amado com outras palavras, 
 com outro timbre de cristal. 
Mas ocultei a ternura nos bosques que se 
fecham sobre o coração. 
Morei no silêncio; apaguei as claras fontes 
de uma torturada voz. 
E o brilho da faca,
 o seu metal de esplendoroso alcance,
 encontrou o pulso e moveu-se, 
docemente






 José Agostinho Baptista
 (Foto de Laura Makabresku)

terça-feira, 14 de julho de 2015

segunda-feira, 13 de julho de 2015




Três e meia da manhã. 
É inútil procurar o candeeiro.
 No estuque da insónia, 
o filme recomeça. 
Que fim será o fim? 
 Pretéritos prazeres, 
cigarros consumidos 
– é isto o coração:
 um cinzeiro de metal? 
Preferia não fumar. 
 Quero tanto o teu amor
 que termino a odiar-me. 
Quem me dera ser o Rambo, 
saber sempre o que fazer ao inimigo. 
Não sei por que sorrio, 
 quando tudo o que me resta é a magia 
que me traz o Halcion: sonhar 
que não existes, nem o filme, 
nem o fumo, nem o frio, nem o fosco 
cinzeiro de metal. 






 José Miguel Silva
 (Foto de Mariam Sitchinava)

sexta-feira, 10 de julho de 2015




O amor não resistiu
 às balas, pragas, flores 
e aos corpos de intermédio 





 Affonso Romano de Sant'Anna
 (Foto de Nishe)

quinta-feira, 9 de julho de 2015











A música é assim: pergunta,
 insiste na demorada interrogação
 – sobre o amor?, o mundo?, a vida? 
Não sabemos, e nunca
 nunca o saberemos. 
Como se nada dissesse vai
 afinal dizendo tudo. 
Assim: fluindo, ardendo até ser 
fulguração – por fim 
o branco silêncio do deserto. 
Antes porém, como sílaba trémula, 
volta a romper, ferir, 
acariciar a mais longínqua das estrelas.






 Eugénio de Andrade

quarta-feira, 8 de julho de 2015




o mundo de vez em quando é-me indiferente são volumes e espaços que o meu corpo não compreende aleijo-me tenho braços e pernas cheios de nódoas negras arranhões nas mãos hematomas lambo as minhas feridas como dantes se dizia que um cão lambe as suas feridas sei o gosto das crostas do sangue dos coágulos da pele tensa sobre a dor se houvesse deus eu não seria mais do que um animal a passar a língua pelos joelhos a sujidade que se acumula neles porque estão perto da rua do alcatrão da terra dos passeios sabe-me sempre a pó a minha pele e em pó me hei-de tornar ou num rolo de cactos secos no deserto dos filmes que se move pelas ruas vazias até parar contra a parede e um rosto surgir mudo como se o silêncio o abrigasse ou fosse o tecto da casa ou a parede que desce num movimento de braço. 





 Rui Nunes
 (Foto de Natalia Drepina)

terça-feira, 7 de julho de 2015




É quando um espelho, no quarto,
 se enfastia; 
Quando a noite se destaca 
da cortina; 
Quando a carne tem o travo
 da saliva, 
e a saliva sabe a carne 
dissolvida; 
Quando a força de vontade
 ressuscita; 
Quando o pé sobre o sapato 
se equilibra 
E quando às sete da tarde
 morre o dia
 - que dentro de nossas almas 
se ilumina, 
com luz lívida, a palavra 
despedida. 






 David Mourão-Ferreira
(Foto de Katia Chausheva)

domingo, 5 de julho de 2015




Escreveu-me cartas. Enviou-me
 uma roldana de ferro 
daquelas que se usam para tirar
 água dos poços. Enrolou-lhe um poema 
em vez da corda que tem de 
suster o balde. Podes falar -
 -me de ti: quando estou cansado 
eu sou um bom ouvinte. 





 João Miguel Fernandes Jorge
(Foto de Nishe)

sexta-feira, 3 de julho de 2015




O amor
 é uma corrida imparável 
entre dois
 (ou mais)
 O primeiro a chegar
 perde 






 Gonzalo Fragui

quarta-feira, 1 de julho de 2015




Quem assim tem o verão
 dentro de casa 
 não devia queixar-se de estar só 





 Eugénio de Andrade