quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

dias maus



Dias maus. Dias
 em que nada sai bem
Em que vês caninos aguçados na face 
das pessoas que dizem amar-te 
Em que o sol é uma arma de arremesso
 ou a chuva uma descarga de vinagre 
Em que mais valia borrifares com enxofre 
a entrada da tua casa. Metes-te na cama. Rezas 
para que os cães não cheguem à tua porta 






 Roger Wolfe

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

nada



Apenas isto, nada, um whisky
 já sem gelo que adormece renitente 
sobre o colo da angústia

 E é tão bom não ter caminho 







 Manuel de Freitas

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

apenas sabe capitular



perante o teu corpo 
 o meu corpo não sabe traçar planos





Adonis
(Foto de Mariam Sitchinava)



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

uma vez amei



Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados 
 Como para os que o não são 






 Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

acabo sempre por falar de ti



há uma diferença
 entre a magnólia que nos cresce fora 
 e aquela que regamos com o sangue 






 Daniel Faria

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

era tarde demais


Foi-se o tempo em que tudo e nada dura, 
e hoje penso no acaso sem remédio
 de cada um de nós guardar
 o passado em gavetas separadas. 





 Nuno Dempster
 (Foto de Saul Leiter)

domingo, 9 de fevereiro de 2020

it seems so long, since you've been gone




I passed by your garden, saw you with your flowers 
The camellias, magnolias, and azaleas so sweet 






sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

quando a noite cai



estou como a flor

preciso de música e champanhe


(A tua mão no pescoço
As tuas costas macias
Por quanto tempo rondaram
As minhas noites vazias)






terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

domingo, 2 de fevereiro de 2020

resta-nos continuar a teimar



O martelo acertou onde não devia, mau grado os esforços para uma pancada firme e precisa. Este último ponto, admito, é controverso. A vida é sobretudo desequilíbrio em movimento, circo precipitado de forças, embate, ricochete, crise, acomodação. Pouco mais do que teimosia, seguindo o raciocínio, a ideia de um esforço concentrado, dirigido. Um martelo e um prego, por exemplo, e uma recta certeira a uni-los. Não obstante, resta-nos continuar a teimar, é aqui que a lógica se complica e na razão se encrava a perfeita teoria. Mas, regressando ao martelo, não acertou no prego, não acertou no dedo, não acertou no estuque liso da parede. Onde acertou afinal? O certo é que ficou a doer. Essa certeza basta à poesia. 






 Jorge Roque
 (Foto de Natalia Drepina)