quinta-feira, 4 de junho de 2015




Eu tive um cão ou era ele 
que me tinha e me deixava à solta 
guiada sem saber que ia. 
Tomava as minhas feridas,
 a tristeza que eu pudesse ter 
e sofria dela como eu nem sofria. 
Trocava de mal trocando-lhe as voltas. 
Punha a coleira ao pescoço 
e levava-me a passear 
como se eu fosse o dono. 
E à noite dormia no chão 
ou então fingia. Eu acordava 
com um servo aos pés da cama, 
armava-me em amo
 e era ele que me tinha. 
Exímio no silêncio 
e no uso das armas
 com que me defendia 
de todos e também de mim:
 a linha veloz do pêlo luzidio, 
o frémito da língua, 
o focinho em arco para a escuta. 
Era um cão que me tinha 
e uma tarde de verão
 atirei-lhe um osso gostoso 
antes de o deixar no canil. 





Rosa Alice Branco
 (Foto de Laura Makabresku)