segunda-feira, 21 de março de 2016

parece que sempre choveu sobre mim




Às vezes paro à porta 
com o olhar perdido e habituado ao silêncio, 
há mais desertos ainda, dias
 e morte noutros olhos. 
Com a garganta habituada à sede, 
com os pés às feridas, 
saio para a rua
 e já não há umbrais.

Ando um dia, passo outro, 
acabo uma semana de vidros partidos
 e tosse mais velha. 
Hoje parece que sempre 
choveu sobre mim, 
e não me importa
 se a chuva já não se parece ao esquecimento 
e apenas deixa charcos, paredes mais sujas
 e fuligem e tristeza nos olhos de rímel, 
ainda tenho sede
 e não me importa
 voltar às coisas más e aos velhos tugúrios
 à procura de algo que não encontro nem recordo, 
que costuma principiar por um encontro,
 talvez por outra palavra
 e corre o perigo de crispar-se
 até à forma da folha da faca. 

Às vezes tudo é tão estranho 
que não basta continuar a andar.






Alfonso Berrocal
 (Foto de Ezgi Polat)